“”Mãos secas com apenas duas folhas.”
Mentira.
Todo mundo sabe.”
Ao concluir a leitura de Mãos Secas com Apenas Duas Folhas o
leitor ficará estarrecido. Não há como não parar e pensar sobre que terá
acabado de ler. O livro nos atordoa, deixando-nos maravilhados pela forma com
que foi escrito e com asco do personagem que o protagoniza.
O livro escrito por Paula Febbe
é uma história que toca em assuntos chocantes sem, contudo, precisar usar uma
narrativa detalhada, arrastada e carregada de descrições de ambientes,
personagens e cenas. Tampouco precisa expor as minúcias dos acontecimentos. A
capacidade da autora de ser concisa e ainda assim profunda no que nos conta
é fascinante.
O livro é narrado em primeira pessoa,
pelo personagem central que é um homem de 68 anos (inclusive já avô). Da sala
de espera de um hospital reverbera sua narrativa contundente sobre desejos, angústias
e acontecimentos sórdidos que praticou em sua vida. Ele observa as pessoas que
passam por ali e o seu pensamento começa a vagar, trazendo à tona a história
daquele homem. A narrativa avança suas 106 páginas num mesmo ambiente e parte
de um mesmo ponto: a mente do personagem. E, nós leitores, somos tragados pelos
seus pensamentos mais escabrosos.
A frieza, uma certa ironia de quem se
jacta de ter conseguido passar despercebido ao longo do tempo e o descaramento
desse homem vai além do texto, consegue nos atingir de tal modo que ficamos
perplexos por ter “entrado em sua mente”.
Sim, foi essa uma das sensações que tive enquanto li. Tudo que lemos nas
páginas do livro reverbera da mente do homem em frases curtas, imagens velozes
e sinceridade atroz, o pensamento que não se censura. Os fragmentos do que
pensa vão se compondo numa conversa que ele tem consigo (daí decorre nosso
choque). Suas manifestações são aterradoras.
“As verdades são impossíveis;
As mentiras são prováveis;
E a realidade é apenas categórica.”
A escrita de Paula Febbe me deixou extasiado.
Posso dizer – metaforicamente – que ela
tem a precisão cirúrgica de uma médica que consegue realizar incisões tão
precisas quanto profundas, mesmo no emaranhado de órgãos que estão ali expostos
durante a cirurgia e do caos que se instala no momento de emergência. Com seu
texto, Paula faz isso. Traz a palavra certa, a frase adequada, o parágrafo
certeiro, capaz de transmitir toda a imagem que o personagem transmite e
consegue expressar muito de forma concisa, objetiva e profundamente
avassaladora. Seu texto diz muito, muito mais do que podemos supor quando
começamos a ler.
A autora perfaz a psique do
personagem de modo contundente, com destreza de quem compreende o personagem
que criou, que estudou a sua concepção e que tem habilidade para destrinchar os
meandros da mente.
O homem que o tempo todo quer lavar
as mãos, como se quisesse se limpar dos pensamentos, é um ser humano que
passaria despercebido em qualquer ambiente (até na sala de espera do hospital
em que está). Tal aferição demonstra a precisão com que esse personagem poderia
ser reproduzido em tantos homens que agem como ele. Muitos que cometem o crime
que ele cometeu são tidos como homens comuns, homens de bem ou utilizando o
velho jargão “acima de qualquer suspeita”. Sua idade, possivelmente provocaria uma
sensação de fragilidade, reforçada pelo ambiente hospitalar, mas ele está ali
envolto na sua história de morte e pedofilia. Revela sua falta de empatia pelo
ser humano, demonstra-se machista, frio, valoriza o seu prazer e dosa seus
pensamentos com ironia, por vezes, em tom de desdém.
A construção de uma mente perturbada
que carrega lembranças de atos atrozes está ali, na forma com que pensa, no
cinismo com que age, na tensão que paira no ar e nas artimanhas que usa para
articular seus planos e até no jeito quase estudado de se comportar. Lava
as mãos para lavar as dores que elas causaram.
A psicanálise, que a autora bem
conhece, vai para além do consultório, está a serviço da literatura. Paula
Febbe foi magistral na concepção de seu personagem e da obra. Sua escrita é
singular. É, sem dúvida, uma autora que tem sua marca, sua identidade e que
consegue mexer com o psicológico do leitor.
Que livro, minha gente! Esteja
preparado para mergulhar numa mente insana.
Paula Febbe | Foto: Reprodução |
Paula Febbe sempre
teve a escrita como sua motivação de vida. Formada em roteiro nos EUA, escreveu
para sites, TVs, rápidos e veículos impressos como Rolling Stones e Folha de
São Paulo, além de ter sido assessora de imprensa. Relato Inspirado por Orelhas
foi o seu primeiro romance, logo depois de seu conto Asilo Particular ter sido
publicado pela Mojo Books. É autora também do livro Metástase.
Ficha
Técnica
Título: Mãos Secas com
Apenas Duas Folhas
Escritor: Paula Febbe
Editora: Descaminhos (nova
edição pela Monomito)
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
106
Ano: 2013
Assunto: Literatura
brasileira
Capa do livro em nova edição que será lançada pela Monomito Editorial em 2018 |
Olá
ResponderExcluirNão conhecia o livro, mas achei o título maravilhoso e vim ler sobre ele. Pelo pouco que falou sobre o protagonista, já sei que seria o tipo de personagem super odiado. Foda isso.
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