Enquanto acontece um dos maiores eventos de literatura do país, a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, nos indagamos sobre o panorama do hábito de leitura em terras brasileiras. Como tem sido o comportamento do leitor? Com base nesse questionamento revisitamos a única pesquisa realizada no país que aborda tal temática – a Retratos da Leitura no Brasil. Por meio dos dados que ela nos traz, conseguimos refletir sobre leitura.
Pouco mais da metade dos brasileiros tem o hábito da leitura, o que significa dizermos que quase metade dos brasileiros não lê.
Na atualidade temos uma infinidade de recursos tecnológicos para utilizarmos e, não obstante, vivemos em uma era em que a imagem parece ser o grande propulsor da humanidade. O tempo das pessoas tem sido tomado cada vez mais pelas redes sociais e aplicativos de mensagens. É por meio desses recursos que a sociedade tem trabalhado, interagido e consultado informações. Isso tudo, sem fazer juízo de valor, ou seja, sem observar se tais informações são ou não de qualidade.
Surgem algumas questões: Que visão podemos ter sobre a leitura no país? O que a pesquisa nos revela? O leitor brasileiro costuma frequentar bibliotecas?
Quando pensamos no panorama de leitura do Brasil, temos como referência a Pesquisa Retratos da Leitura realizada pelo IPL – Instituto Pró-Livro. O IPL é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem fins lucrativos, criada em 2006 e mantida pelas entidades do livro – Abrelivros (Associação Brasileira dos Editores de Livros), CBL (Câmara Brasileira do Livro) e Snel (Sindicato Nacional de Editores de Livros). A entidade tem como missão transformar o Brasil em um país de leitores.
Incentivar a leitura não é uma atividade que deva ser, exclusivamente, realizada por entidades e empresas ligadas ao mercado livreiro. A leitura é um direito que pode e deve ser requerido pelo cidadão, bem como é uma atividade que está ligada a atuação dos professores e outros participantes do processo educacional de crianças, jovens e adultos. O incentivo à leitura, todavia, não pode ser delegado, única e exclusivamente, para os professores. Há responsabilidade da família sobre a aquisição de conhecimento da criança e do jovem. A sociedade também é responsável pelo cenário da leitura.
A importância do ato de ler não se esgota no mero contato com a palavra, vai além disso. A leitura se estende para a formação do indivíduo, para ampliação de seu repertório, para aguçamento de sua criticidade ante a realidade que se mostra cotidianamente. A leitura encoraja, mune o humano de argumentos sobre diversos assuntos, desperta sua curiosidade sobre o que, como e por que as coisas são como são. Tão provocadora que é, a leitura nos faz criticar o mundo e buscar mudanças para o que não é satisfatório.
Conhecer o resultado de pesquisas que falam sobre leitura, auxilia o profissional docente no planejamento de ações que visem fomentar a leitura e traçar um panorama real para que abordagens diversificadas sejam trabalhadas com os alunos em sala de aula. Para o mercado editorial, conhecer os resultados da pesquisa ajuda na formação de estratégias de abordagem para a venda dos livros e outros planos que tenham relação com o hábito de leitura do público consumidor. Para o leitor, conhecer os resultados da pesquisa ajuda na formação de imagem sobre o cenário de leitura do país e desperta reflexão. Para o agentes de esferas públicas deveria ser o mote para inciar discussões sobre políticas que possam fomentar a leitura.
Segundo a pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, realizada pelo IPL em 2019 e publicada no ano de 2020, o país tem cerca de 100 milhões de leitores. Tais dados são apresentados com o panamora do Censo Demográfico Brasileiro de 2010 – realizado pelo IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística).
A análise e projeção dos números ocorre a partir do grupo pesquisado, em que a coleta se deu por metodologia de pesquisa face a face, com mais de 8076 entrevistados alocados em 208 municípios brasileiros e que abarcou as capitais de todos os estados da federação.
A referida pesquisa é realizada de quatro em quatro anos e já se configura como um instrumento de medição e avaliação de práticas leitoras, bem como é uma referência no que concerne à visão sobre os equipamentos de leitura no Brasil. Não é incomum, portanto, vermos os dados da pesquisa citados em artigos, relatórios, reportagens e outros materiais que tratem de incentivo à leitura ou que versem sobre o comportamento leitor no país.
A próxima edição deve ser realizada em 2023 e aguardamos pela publicação de seus resultados para que venhamos a saber, inclusive, qual foi o impacto da pandemia no comportamento dos leitores. Teremos, futuramente, uma constatação no aumento significativo de leitores no país? O cenário permanecerá o mesmo ou vai demonstrar que houve piora? Aguardemos.
Para efeito da pesquisa de 2019 foi considerado leitor ou leitora, a pessoa que leu um livro, em todo ou em parte, nos últimos três meses antes da data em que a pesquisa foi realizada. Foi considerado não leitor aquele ou aquela que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos três meses, mesmo que tenha lido alguma obra nos últimos doze meses.
Houve uma queda de 4,6 milhões de leitores no período de 2015 a 2019. Os não leitores representam 48% da população. Podemos observar sob duas óticas: temos um copo meio cheio ou um copo meio vazio. Fato é que tal situação deve ser focada pela lente mais pessimista, posto que houve uma queda no número de leitores no país. E, tal olhar, não deve ser encarado como derrotista e sim como realista. Com tal observação é possível que analisemos os números e requeiramos das entidades ligadas ao mercado de livros e, sobretudo, do governo (em suas esferas federal, estadual e municipal) ações que visem a fomentar a leitura e estimular tal hábito.
No perfil por gênero, estima-se que no país temos cerca de 54,2 milhões de leitoras (sexo feminino) contra 45,9 milhões de leitores (sexo masculino). No que tange a faixa etária, constata-se que a maior parte de leitores está entre 5 e 24 anos. Daí pode-se inferir que estamos falando de um público que está em idade escolar. No entanto, a base pesquisada tem 27% de estudantes e 73% de pessoas que não estudam. Ou seja, o maior número de leitores está na menor parcela de pesquisados. Outra leitura possível é a de que os leitores estão amplamente concentrados nos estudantes.
Os dados revelam que o brasileiro lê, em média, 4,95 livros por ano. Esse número se abre em 2,55 livros lidos por inteiro e 2,41 livros lidos em partes. O número pode nos levar a dizer que o brasileiro lê pouco, mesmo que, na pesquisa, aqueles classificados como leitores afirmem que desejam ler mais (82% dos pesquisados), o que demonstra que há vontade do leitor de exercitar a leitura. No entanto, ao pensarmos sob o ponto de vista do mercado, há uma parcela de consumidores a ser atingida pelas editoras, escritores, livrarias e sites de venda de livros. Entenda-se aqui tanto o público não leitor quanto os leitores que foram determinados nichos, seja por gênero literário ou pelo formato do livro.
A Bíblia é citada como o livro mais lido pelos entrevistados e apontada como o mais importante. Há que se entender o cenário político-religioso do país, que leva o leitor a essa indicação.
Os leitores brasileiros costumam ler em casa (82%), seguido da sala de aula (23%) e de bibliotecas em geral (20%). Se a residência é o local preferido para leitura, o uso de bibliotecas, que aparece em terceiro lugar, ressalta a importância desse equipamento cultural na vida do leitor.
Formato do livro
Os brasileiros preferem os livros físicos, ou seja, aqueles livros impressos em papel. 67% dos leitores preferem esse formato. 17% do público pesquisado prefere ler em aparelhos digitais, o que compreende celulares, tablets ou equipamentos próprios para leitura e 16% revelam não ter uma predileção por um ou por outro, ou seja, leem em ambos/tanto faz.
Uso do tempo livre
A pesquisa demonstra que os leitores têm usado o tempo livre para assistir televisão, assistir filmes, assistir vídeos em casa, escutar música ou rádio, usar a internet, usar o WhatsApp e usar as redes sociais, o que corrobora o cenário que citamos anteriormente sobre o uso de recursos tecnológicos.
A internet pode ser um dos fatores na queda no número de leitores do país. Além de outros motivos, tais como o cenário econômico, dificuldade de acesso aos livros e a falta de incentivo. Decerto que cada região tem sua particularidade no que tange a essa questão.
Com a tecnologia, as pessoas passaram a usar mais tempo no celular/computador. Se tais atividades consomem o tempo livre, o livro acaba com eles concorrendo. E, num mundo imagético e de culto à personalidade, em que a imagem é valorizada, podemos enfaticamente afirmar que algumas dessas ferramentas são mais atrativas, por apresentar o que os olhos querem ver, embora apresentem informações imediatistas e sem profundidade, muitas vezes. Se não requer esforço algum para consumir, a atração é maior, há que pensarmos sobre isso.
A única faixa etária que apresentou aumento no número de leitores foi de 5 a 10 anos de idade: passou de 67% (2015) para 71% (2019). A pesquisa mostra que as crianças são as que leem mais, leem mais livros de literatura, por vontade própria e com mais frequência.
Ao contrário, as faixas etárias de 14 a 17 anos e de 18 a 24 anos são as que apresentam maior percentual de queda de leitores, de 8 pontos percentuais. Aqui também a internet pode ser um motivador, visto que quanto mais a idade se aproxima da adolescência e do início da vida adulta o número de leitores reduz. Além da utilização da internet, há uma clara mudança de comportamento da criança para o jovem, que passa a ter outras preocupações, como a escolha de uma profissão, um curso universitário para estruturar a carreira e sua inserção no mercado de trabalho.
Na faixa etária entre 5 e 10 anos os entrevistados indicam o gosto pela leitura como principal motivador. Esse percentual vai caindo na medida em que chegamos no público de 18 a 24 anos. Saímos de um patamar de 48% para o primeiro grupo e chegamos aos 17% no segundo grupo. A partir dos 18 a 24 anos, os leitores passam a apontar o crescimento pessoal a atualização cultural ou enriquecimento do conhecimento geral como principal motivo para ler.
E quem incentiva o leitor ou a leitora?
Os professores e as mães são apontados, para os leitores em geral, como os principais influenciadores (11% e 8% respectivamente), seguidos pelos pais (4%) e por parentes próximos (4%). Nota-se, portanto, que a maior influência parte das pessoas mais próximas ao leitor.
No gênero literatura os professores se destacam como maiores responsáveis por incentivar o interesse pela leitura (52%). Os filmes baseados em livros estimulam 48% dos leitores e a indicação de amigos 41%.
Com o advento de plataformas de streaming, muitos livros tem sido adaptados para as telas, o que pode despertar o interesse do público leitor. Quem consome filmes e séries, pode se interessar por ler a história que deu origem ao conteúdo que vê em tela. Não menos importante, 34% dos entrevistados leem livros de autores com quem se identificam.
Acesso aos livros
Sobre as formas de acesso aos livros 43% compram em lojas físicas ou pela internet, 23% leem os livros com os quais são presenteados e 18% emprestam de bibliotecas.
Aqui, novamente, destacamos as bibliotecas. Veja-se que 18% da população chega aos livros por meio desses equipamentos.
Um convite à reflexão
Com esse panorama geral apresentado pela Retratos da Leitura do Brasil, conseguimos identificar que há necessidade de mais incentivo. Pensar em incentivar a leitura é uma forma ampla de falarmos, pois há que se pensar em estratégias e políticas públicas para a leitura. Não adianta apenas termos uma campanha veiculada por vários canais de comunicação, é preciso ter uma aparelhagem de todos os equipamentos de acesso aos livros.
Temos que pensar no fomento da leitura como algo além do trabalho de marketing das editoras e livrarias. Não é disso que estamos falando. É preciso que a população entenda que ler é uma possibilidade de transformação e que é um direito.
A cultura e a educação deveriam ser tratadas com prioridade nesse país, porque é por meio desses recursos que podemos ter uma sociedade mais capaz do exercício da cidadania e da democracia.
Nesse primeiro texto, tratamos da pesquisa para dar uma visão sobre o cenário de leitura no país. Com os dados em mãos podemos refletir sobre o que queremos: um país de leitores ou um país de iletrados? Que tipo de ação fizemos para promover a leitura? Faremos algo? Lutaremos por esse direito? Esse é um convite à reflexão.
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