Bella Máfia – Vitto Graziano

 “Meu amigo, o crime está em tudo! Realidade ou não, se a vida já vale pouco, imagina onde o dinheiro só se lava com sangue...”

Salvador Lavezzo é um nome importante no submundo do tráfico. Goza da blindagem de sua organização criminosa e “da opinião pública que ainda o via como um bom milionário, engajado em políticas assistenciais”. Sua jornada começou herdando pontos de caça-níquel e um clube de prostituição, depois convertido em mineradora, ou melhor, uma lavanderia para o dinheiro gerado com o tráfico de cocaína.

Um dos cabeças da organização, infiltrado em várias esferas da sociedade (do comércio até a política), Salvador também atrai olhares daqueles que querem ocupar um lugar de destaque na luta pelo poder. Entenda-se aqui que poder está aliado a uma soma vultosa de dinheiro.

“...o dinheiro abre qualquer porta, inclusive as do inferno.”

No entanto, caro leitor, no crime existe barreiras a serem enfrentadas. A organização foi pega com um carregamento de dez toneladas de cocaína no Mato Grosso e Salvador Lavezzo, vendo-se diante da possibilidade da perda de sua fortuna, ainda recebe ameaça de morte. A ameaça por sua organização, que figura entre as mais perigosas do país, não tarda a chegar. A Polícia Federal está em seu encalço e com o juramento de morte, resta-lhe pouco tempo para tentar fugir.

A trama do livro é ambienta no Rio de Janeiro e ao início de cada um dos capítulos, além do nome deste, o leitor tem a informação sobre o horário, dia e local em que se passam os fatos que serão narrados. Observe-se, contudo, que a história se passa num único dia, num dia 7 de setembro, tendo início às 4h00 e indo até às 00h00 do dia 08 de setembro do mesmo ano.

Podemos pensar que o livro se resume a fuga de Lavezzo, mas é mais do que isso. É uma obra ficcional que escancara a podridão de uma organização criminosa e o crescimento de seus tentáculos por toda a sociedade. Nem só do crime, originariamente, vive a figura criminosa e seus asseclas. Para que haja sustentação dos “negócios” é preciso que eles invistam em várias camadas sociais, tanto para atrair a atenção do público com benesses, quanto para garantir que no Judiciário, no Legislativo e na polícia haja facilidades. Há, sem sombra de dúvida, troca de favores. O dinheiro move os homens que fazem parte do crime. Eles estão em busca de poder e de facilidades. Portanto, num ambiente como esse, a vida humana não tem valor algum. Tropeçou, caiu. Traiu, morreu.

Salvador, apesar de seu poder, se vê acuado, mas também surge para ele oportunidades de escapar. Claro que, para que isso ocorra, ele deve ceder aos que o procuram com propostas. Mais do que propostas esses homens fazem ameaças, lembram-no do passado, tocam em feridas e marcas da vida de Salvador, tentam desestabilizá-lo e fazê-lo abrir mão de coisas que, para ele, são importantes.

“...Desde que o mundo é mundo, os criminosos de verdade usam os pequenos para se tornarem heróis da mesma pátria que roubaram.”

O crime permeia todas as páginas do livro, passando de contravenções à homicídios. Muitas são as mortes que acontecem, bem como os conchavos, as negociatas, as ameaças, as agressões verbais e físicas. Temos em todos os crimes que formam o rol da organização uma vertente perfeitamente crível dos bastidores de uma organização criminosa e de um sistema complexo, todavia exequível, que existe para além do universo ficcional de Bella Máfia.

Vitto Graziano nos apresenta uma obra consistente. Estruturalmente falando, o livro intercala capítulos que apresentam cenas com diferentes personagens ao longo do fatídico dia 07 de setembro. Essa mescla de visões, acontecimentos e fatos presentes que se sobrepõe a fatos passados (que servem para dar a total compreensão da história que se apresenta ao leitor), nos traz uma teia complexa de relações, todavia com encaixe perfeito. A trama vai se consolidando, os personagens vão aparecendo e ratificando a sua posição na organização, tal qual vão demonstrando e reforçando a sua personalidade para o leitor.

Se ao falar que a trama se passa apenas em um dia há quem possa imaginar que a trama será morna, lenta, cansativa, aviso que é um engano. O autor nos apresenta elementos que garantem o clímax, que trazem surpresas e reviravoltas e tem uma narrativa certeira. Falar dos acontecimentos de uma série de personagens em apenas um dia, sem os saltos temporais que permitem ao autor “pular” etapas, é ousado, no entanto foi acertado. Vitto não deixa de relatar fatos pregressos, como mencionei anteriormente, e isso nos faz perceber, compreender e entender as ligações existentes entre os personagens e os fatos.

Os personagens também merecem destaque. Salvador Lavezzo, por exemplo, é um protagonista que subverte aquela ligação afetiva que temos com os “mocinhos” das tramas. Ele está longe de ser um bom moço, não é um protagonista para ser amado, está mais distante ainda de ser um personagem que conquista a nossa simpatia pelo afeto, mas ele é sedutor e consegue se mascarar para os outros personagens. É um personagem que “cospe” na nossa cara tudo que há de errado por aí e que, por vezes, não notamos ou, quando notamos, ficamos alheios.

Mesmo num ambiente duro e áspero, alguns personagens expõe seu lado, digamos, mais sentimental. É o caso de Tupinambá, que se ressente pela ausência da mulher amada. Ou seja, por mais que vejamos o lado mais cruel desses homens, há neles uma gota de emoções que os ligam a alguém, que os conectam com um ente querido ou com a família (ainda que esta esteja distante). Salvador Lavezzo tem a seu lado, no crime, o irmão Giovanni Lavezzo. Esse pontos de ligação nos demonstram que são homens que podem perfeitamente existir e que a sua vida de crimes não os faz “acima do bem e do mal” (grifo meu).

Notadamente, caro leitor, há muita sanguinolência que move a vida criminosa dos personagens que estão em Bella Máfia. E aqui a máfia ganha sentido completo, pois estamos falando de uma organização que usa métodos inescrupulosos para que seus interesses prevaleçam e para ter o controle total da operação da atividade de tráfico em que atuam.

Quando do contato com a obra, muitos podem pensar que a máfia que será retratada na obra será a siciliana ou a máfia chinesa, mas vemos no livro uma máfia com questões genuinamente brasileiras. Vitto Graziano nos apresenta uma máfia pra lá de real dentro de seu universo de ficção. Decerto os leitores notarão personagens que figuram no noticiário brasileiro, homens que “representam” a sociedade, figuras que substituem o estado onde este falta com o básico para a população, pessoas que são conquistadas pelas facilidades que a vida do crime parece oferecer, ações que podem ser percebidas por nós na realidade, aspectos profundos da corrupção brasileira que contaminam todos os setores da sociedade.

Não dá, portanto, para negar que Bella Máfia faz uma grande provocação a seu leitor. Um incômodo paira quando concluímos a leitura. Incomoda pelo fato de sabermos que o que está ali representado na ficção é muito real.

Leitura mais que recomendada.

Sobre o autor:

Vitto Graziano é um personagem misterioso do submundo literário que, após anos trabalhando com as mais distintas questões sociais, decidiu contar parte de sua história e expor uma face pouco explorada no país, seja através de ficções, seja por relatos verídicos.

Ficha Técnica

Título: Bella Máfia

Escritor: Vitto Graziano

Editora: Luva

Edição: 1ª

ISBN: 978-85-93350-00-9

Número de Páginas: 388

Ano: 2016

Assunto: Literatura brasileira