Bile Negra, do
escritor Oscar Nestarez, foi publicado pela Editora Empíreo em 2017 (168
páginas). A obra, como bem define o nome, trata da bile negra. Mas o que é bile
negra? Do grego (mélas) e cholé (bile), pode ser definida como a melancolia.
Eis aqui, leitor, uma obra que tem o clima de seu tema central desde a capa até a última palavra
impressa na última página. A história começa ambientada na cidade de São Paulo
e tem como protagonista, um tradutor chamado Vex, que também é o narrador.
A história começa
quando ele está num consultório psiquiátrico, olhando para os outros pacientes,
imaginando o que poderia ter acontecido com eles para que estivesse ali naquela
mesma sala de espera. O que aflige aquelas mentes? É ali também que ele percebe
os primeiros sinais: “...as escleras
levemente escurecidas da jovem moça (...) Como se o branco dos olhos dela,
retraídos no poço das olheiras, estivesse levemente sujo. Encardido.”
Aos poucos descobrimos
que Vex já teria passado por algumas situações de abalo emocional. Ele se
reencontra com alguns amigos depois de um tempo ausente em que esteve “narcotizado por remédios” e a retomada
da vida social faz com que ele volte a se relacionar com San.
O jovem tradutor é
convidado para trasladar um livro chamado Bile Negra (Bible of the Black Bile), escrito por Grigora – um autor que mantém
sua identidade sob sigilo. O livro trata da teoria humoral: “uma antiga teoria médica segundo a qual a
nossa saúde se mantinha pelo equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma,
bile amarela e bile negra.” Os humores que são mencionados estariam ligados
ao coração, sistema respiratório, fígado e baço, respectivamente.
Alguns sinais
estranhos começam a aparecer e a mente das pessoas se perde quando essa
substância escura os toma, deixa seus olhos totalmente negros e recruta o que
há de mais assustador na profundeza de suas mentes. A bile negra, que ocorreria
no corpo/mente das pessoas, toma uma forma ao impactar os personagens que são
por ela dominados. Tal sustância tem se espalhado pelos bairros e cidades, o
que é ratificado quando Vex sai em busca do que ele imagina ser capaz de
auxiliá-lo a fugir dessa substância e evitar que ela se espalhe. Nessa busca, tem
notícia que em outros locais, coisas estranhas vinham acontecendo. E as cenas
em que tais eventos bizarros acontecem são estarrecedoras e bem descritas.
O terror que a
substância causa é angustiante, tanto para os personagens que vivem o horror em
suas mentes, quanto para o leitor que é sugado pela história, querendo
descobrir o que efetivamente acontecerá a Vex e seus amigos. No caso de Vex, a
sua trajetória torna-se uma resposta a ser perseguida, sobretudo imaginada e
interpretada por quem lê.
A melancolia é um
estado mórbido que se revela ao abater o ser humano mentalmente e fisicamente,
o que pode, inclusive, acarretar vários problemas psiquiátricos. É possível, de
outro modo, ser entendida até como uma grande tristeza, um profundo pesar ou
como depressão. E aqui, temos aberta, diante de nós uma importante vertente a
ser questionada pelo leitor. Vex estaria passando por um momento de depressão,
dado os problemas pregressos que ele teve e pelo seu estado psiquiátrico?
Estaria ele transpondo para o mundo
real suas tormentas mentais? Ao longo do
livro, perceberá o leitor que há uma série de eventos e de ações do personagem
que nos levam a crer que ele tem uma tendência depressiva.
“Sinto meus músculos, vasos e nervos se rompendo. E
ainda percebo, no céu acima, um véu escuro a soterrar os clarões...”
A narrativa de
Oscar Nestarez nos coloca em contato direto com a desordem mental do personagem
narrador. Sua mente atacada e sua fuga incessante para manter-se distante da
escuridão, parece ser a busca humana pela felicidade, por uma clareira, que o
tire de qualquer estado perturbador. Uma busca por um lugar de paz em que o
refúgio exista para o corpo, a mente, a alma. Será que o personagem encontrará?
A escuridão o
persegue. Tal qual na vida real, a “escuridão”
fica à espreita para atacar, sonda-o pela mente, se manifesta em pessoas
próximas. A melancolia arrasta muitas pessoas para “o buraco” – grifo meu –, deixando-as transtornadas, por vezes com
a sensação ou a constatação da inércia em prosseguir com a vida e mergulhando-as
num verdadeiro pesadelo, numa espiral de horrores e medos. Não é apenas uma
tristeza momentânea, que surge e se esvai, é uma tristeza profunda que toma
conta da mente. Seria esse o caso do protagonista? Uma questão que paira.
Alguns pontos devem
ser ressaltados na obra e que muito enriquecem a trama. Um deles é o fato de a
melancolia ser exposta não só no plano psicológico, mas tomando forma física na
história (a substância escura que aparece nos olhos e no ambiente físico).
Outro ponto é a busca de Vex por safar-se do que o ronda, o que pode ser
interpretado, como disse acima, pela busca do homem por um refúgio (que lhe
garanta uma mente livre de angústias). Além disso, a história, concentrada em
poucos personagens, leva o leitor a acompanhar com mais proximidade a jornada
deles e a invasão da melancolia.
O livro tem uma
série de simbolismos e de nuances que ficam abertas para a interpretação do
leitor e um texto narrado em primeira pessoa que nos leva ao clima de
melancolia – tema central. Um tom melancólico nos acompanha ao longo de toda a
narrativa. As camadas que podem ser interpretadas pelo leitor torna tudo ainda
mais fascinante e nos conduz a uma tarefa mais reflexiva sobre o texto que se
lê. O horror está presente e tratado numa perspectiva demasiadamente humana.
Bile Negra é um excelente
livro. Recomendo a leitura.
Foto: Reprodução |
Sobre o autor:
Nascido em São
Paulo, Oscar Nestarez é pesquisador da literatura de horror, sobre a qual já
publicou diversos artigos e o estudo Poe e Lovecraft: um ensaio sobre o medo na
literatura (2013). No campo da ficção é autor das antologias Sexorcista e
outros relatos insólitos (2014) e Horror adentro (2016). Bile Negra é seu
primeiro romance.
Ficha
Técnica
Título: Bile Negra
Escritor: Oscar Nestarez
Editora: Empíreo
Edição: 1ª
ISBN: 978-8567191-40-9
Número
de Páginas:
168
Ano: 2017
Assunto: Literatura
brasileira / Horror
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