Amnésia - Ricardo Lima - Tomo Literário



Amnésia, livro de Ricardo Lima, publicado pela Editora Viseu em 2021 (158 páginas), é uma obra que trata de temas fortes. Portanto, pessoas que podem ter gatilho devem levar em consideração que há na trama temas como pedofilia, estupro, suicídio, assassinato e problemas psicológicos.


No livro, um serial killer suicida, que assim se identifica, resolve contar sua história por meio de uma carta. É o personagem central, portanto, que narra a história em primeira pessoa. Ele começa a obra falando do seu tempo de infância, quando sofreu abusos sexuais de um adolescente e de um adulto. Com cenas extremamente impactantes a história se inicia. O homem, que escreve a carta de despedida, nos relata com detalhes os maus que sofreu.


O abuso, certamente, provocou nele marcas que permaneceram até a sua vida adulta. Durante o relato é comum que o narrador dê alertas sobre o uso de medicamentos misturados com bebidas alcoólicas, o que nos leva a inferência de que ele está ali consumindo tais elementos durante o período em que escreve a carta.


Em outros tantos momentos, essa mistura parece criar no fluxo de pensamento do protagonista alguns hiatos, é quando entra em cena o recurso de retomada na escrita em que o personagem diz que se perdeu onde estava narrando e retoma o assunto de onde acredita ter parado. Isso dá ao leitor a sensação de que o narrador está contando a história diretamente a ele. Cria uma informalidade na narrativa.


É uma forma interessante de percebermos o personagem. Quando digo perceber, me refiro ao fato de notarmos nele não uma perfeição narrativa, mas o pensamento fragmentado com conexões, exatamente como fazemos quando conversamos com alguém. O texto, portanto, não fica literário demais para um serial killer que está escrevendo, fica mais próximo ao fluxo de pensamento de qualquer ser humano se manifestando. Vale observar que as interferências que o próprio personagem-narrador faz dá esse tom de conversa entre ele e o leitor, expressa, pois, a informalidade dita anteriormente.


Em dado momento o livro nos desperta a reflexão para um questionamento que não há como fugir: nós seres humanos nascemos mal ou nos tornamos um fruto do meio social em que vivemos? Para as ciências sociais nós somos animais culturais. Portanto, sofremos a influência da cultura e dos costumes que vivenciamos, a socialização.


Quando observamos que o personagem sofre traumas desde a infância e tem uma relação complicada com os pais, sabendo que a mãe sofre agressões do marido e que o homem está sendo por ela atingido de um modo silencioso, paira na vida daquela criança alguma relação que distorce o seu senso de justiça. Para ele, justiça é se vingar de todos aqueles que, de algum modo, lhe causaram mal.


O protagonista narra a prática de seu primeiro assassinato, a sensação que sentiu quando cometeu o crime e todos os sentimentos que o envolveram desde então. No entanto, antes de ter praticado o primeiro crime, ele já se preparava, inclusive com a montagem de uma lista de nomes de pessoas que desejava matar. Se alguém havia lhe infringido algum mal, se tornava mais um na lista e assim, o seu lado psicopata ia se revelando cada vez mais internamente, até que foi posto para fora com a prática do primeiro homicídio.


Em dado capítulo da obra, chamado de Amnésia, fica claro o motivo da escolha do nome do livro pelo autor. Tem, portanto, total consonância com a história desenvolvida. Aqui tem um ponto que merece ser citado, posto que inicialmente é possível que o leitor seja levado a acreditar que o nome tenha alguma relação com os lapsos de memória que o personagem tem, o que fica evidente quando ele narra um determinado fato e diz que “esqueceu”, que se “perdeu” e que precisa retomar. Essas falhas no pensamento dele podem sugerir ao leitor que tenha alguma ligação com o nome da obra. Ao ler o capítulo que citei verificará do que efetivamente se trata.


Após o primeiro crime cometido, a vontade de matar cresce e ele passa a executar outras mortes. Uma pessoa próxima, sua terapeuta, acaba por tomar conhecimento desses crimes. A terapeuta se torna alguém bastante próxima do protagonista e cria com ele uma relação de confiança, mas também de interesse. Ela tem condições de compreendê-lo, de entender como ele elabora os crimes que comete e de, inclusive, ser parceira. Não falaremos mais sobre o assunto para não dar “spoiler”.


A obra apesar de tratar de temas bastante fortes e ser necessário grifar a existência de cenas que podem despertar gatilhos emocionais, é uma obra bem completa. A história é bastante interessante, há clímax, reviravolta e surpresas para o leitor. Destaco a informalidade da narrativa que não se fixou em se tornar um livro rebuscado, mas sobretudo de transparecer pelas páginas a voz do personagem. Esse tom de conversa entre o personagem e o leitor, garante proximidade e faz com que adentremos a leitura mergulhando na mente daquele homem.


Leitura de impacto e que nos causa bastantes reflexões acerca da crueldade humana.




Sobre o autor:


Ricardo Marcelino de Lima é o caçula de 4 filhos de Josefa e Renalvo. Paulista de sangue nordestino, branco de sangue cafuzo, é professor de Taekwondo e Educação Física, se dedicando à arte mágica da escrita desde a infância. Terapeuta Integrativo, apaixonado por rock, fã da natureza, admirador do surreal e amante da ciência.


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Ficha Técnica:

Título: Amnésia

Autor: Ricardo Lima

Editora: Viseu

Ano: 2021

Páginas: 158

ISBN: 978-65-254-0096-9

Assunto: Literatura brasileira

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