Livro de Paulo Stucchi, A Filha do Reich foi publicado pela Editora Jangada (Grupo Editorial Pensamento) em 2019.
Hugo Seemann trabalha como diretor de arte na Agência Royale e após um exaustivo dia de trabalho recebe uma fatídica notícia: a morte de seu pai, que era um ex-soldado alemão que atuou ao lado de nazistas e estivera refugiado no Brasil. Apesar de não se dar bem com o pai, vez que este último aparenta ser um homem frio, Hugo vai para a Serra Gaúcha, mais precisamente para a cidade de Nova Petrópolis, para o funeral do pai. Tudo parecia apenas uma viagem protocolar e cheia de formalidades fúnebres, que acontecia na véspera do Natal, mas Hugo acaba recebendo uma chave que fora entregue pela cuidadora de seu pai e que deveria chegar às suas mãos, conforme pedido de Olaf.
A chave surge como um elemento metafórico, posto que a partir dela um novo mundo se abre para Hugo Seemann. No baú cheio de lembranças que ele herda de seu pai, está a possibilidade, ou melhor, o caminho para que ele adentre os horrores da Alemanha nazista e consiga compreender a história do velho Olaf, o homem que ele nunca conheceu de verdade.
"Mesmo hoje, quando a morte pede licença para entrar e me levar para o outro mundo, as lembranças (...) pulsam vivas, como se ainda morassem em mim."
Ele se defronta com cartas e um caderno que o coloca em contato com o passado de seu progenitor e uma misteriosa mulher chamada Mariele Goldberg. Entre os elementos que encontra na baú, há também em uma carta o pedido de seu pai que suas cinzas sejam jogadas no Rio Seno (Alemanha) e que Hugo entregue um outra carta selada à essa misteriosa mulher. Mariele é uma judia que Olaf conheceu na época em que atuava como soldado da SS no Campo de Trabalhos Forçados de Plaszow - um pequeno povoado situado na região da Cracóvia (Polônia). O tal campo de concentração foi construído pelos nazistas no ano de 1941.
Em Nova Petrópolis uma outra personagem surge em cena. Uma mulher chamada Valesca Proença estava a procura do velho Olaf e encontra com Hugo. O pai do protagonista e narrador da história teria enviado uma carta à mãe de Valesca, Martha Fischer. Surge mais um ponto de mistério na história pregressa do velho ex-soldado que é ligação dele com Martha, além das citações que são relacionadas à Mariele Goldberg.
Hugo, que passa por alguns eventos que enchem a sua vida de suspense e incerteza, acaba descobrindo muito mais do que poderia supor inicialmente. E mexer com esse passado pode despertar a atenção de muitas pessoas, o que inclui uma organização secreta que atua desde o período do Terceiro Reich.
Paulo Stucchi apresenta uma trama primorosa que versa sobre traições, mortes, amizades, perdas, ocultismo e descobertas, além de envolver muito mistério - tanto aqueles que estão intimamente ligados ao caderno deixado pelo pai de Hugo, quanto por outros elementos que vão se revelando ao longo do livro. Com uma narrativa fluída e personagens ficcionais que transitam por um pano de fundo histórico, somos fisgados desde as páginas iniciais da obra.
Sabe aquele tipo de livro que te faz perder a noção do tempo? Eis aqui. A Filha do Reich é uma obra bem escrita, com uma história alicerçada na trajetória do personagem central e que envolve o leitor. A relação entre Olaf e Hugo Seemann é o ponto focal da narrativa e, a partir dela, a história toma corpo.
O livro é estruturado de maneira que apresenta duas visões temporais, além de intercalar passagens (capítulos) que acontecem em diferentes locais. Acompanhamos a história recente de Hugo que assume o papel de narrador e acompanhamos as histórias do passado, centralizadas na figura de Olaf - o pai de Hugo - manifestada por meio de cartas e do caderno deixado pelo soldado do Reich. As histórias se conectam, trazendo à tona as revelações que transformam o personagem e faz com que Hugo descubra quem era aquele homem, o seu pai. Um homem que para ele era tão estranho.
A obra de Paulo Stucchi tem camadas. Uma delas é o pano de fundo histórico que trata de parte do período em que o nazismo agia na Polônia. Muitos dos personagens (os do passado) transitaram pelo campo de concentração em Plaszow e temos na obra tanto aqueles que atuaram do lado nazista, quanto os que foram ou seriam dizimados por ele. Há também menções personagens reais que por lá passaram ou agiram como Amon Göth que comandou o campo de concentração, Adolf Hitler que é mencionado por ser o líder do nazismo e Oskar Schindler que salvou judeus no Holocausto, entre outros personagens.
Outra camada da trama trata de relações familiares, mais detalhadamente sobre a relação entre pai e filho. Hugo não conhecia verdadeiramente seu pai e ao tomar conhecimento do caderno deixado após a morte de Olaf, o leva por uma jornada de conhecimento sobre a figura paterna e sobre si mesmo. Temos aqui, então, uma reconexão de um homem consigo e com a história de seu pai. Há sentimentos que estão em Hugo que vão se transformando e outros se clarificando na medida em que a trama avança.
Uma outra camada tratada na obra é o misticismo nazi, uma corrente que alia o nazismo a questões ligadas ao ocultismo e situações paranormais. Tal camada se revela por ações que teriam envolvido Mariele e pela organização neonazista que acaba aparecendo para impedir que fatos sejam trazidos ao público.
Basicamente o tripé fundo histórico, misticismo e relações norteiam a história contada em A Filha do Reich. Mistérios não faltam ao leitor e o livro se revela uma obra consistente, com uma escrita esmerada e que conquista o leitor. Um grande livro.
Sobre o autor:
Paulo Stucchi é jornalista e psicanalista. Formou-se em Comunicação Social pela Unesp Bauru. Ele é especialista em Jornalismo Institucional pela PUC-SP e Mestre em Processos Comunicacionais, com ênfase em Comunicação Empresarial pela Universidade Metodista de São Paulo. Trabalhou como jornalista em revistas e jornais impressos, tornando-se editor, por treze anos, de uma publicação segmentada para o setor gráfico. Divide seu tempo entre o trabalho de assessor de comunicação e sua paixão pela literatura, principalmente, romances históricos. Também é autor de Menina – Mitacuña, O Triste Amor de Augusto Ramonet, Natal sem Mamãe e A Fonte.
Ficha Técnica:
Título: A Filha do Reich
Escritor: Paulo Stucchi
Editora: Jangada
Edição: 1ª
Ano: 2019
Número de Páginas: 413
ISBN: 978-85-5539-140-3
Assunto: Ficção brasileira
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