Manifestação literária popular da cultura brasileira,
o cordel encanta. Aqui pelas terras brasileiras tal corrente literária ganhou
destaque no século XIX. Grandes nomes da nossa literatura se inspiraram em
cordéis, como João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa e Ariano Suassuna. Os
folhetos, forma usual de apresentação do cordel, tem xilogravura em sua capa e
ficam pendurados em cordões ou barbantes. É daí que vem o nome Literatura de
Cordel.
O Soldado Jogador é a história de cordel que
abre o livro publicado pela Global Editora. De autoria de Leandro Gomes de
Barros, conta sobre um soldado que resolve abrir um baralho na igreja e, em
função disso, é levado até a prisão. Sagaz que é ele consegue convencer o
comandante de que ele faz a leitura de orações por meio das cartas do baralho,
o que surpreende o homem e faz com que ele consiga dar uma reviravolta na
trama.
Depois temos um cordel de José Pacheco,
chamado História do Caçador Que Foi ao Inferno, em que a Virgem Maria intercede
pelo homem que é levado ao inferno. Já em A Guerra dos Passarinhos, de Manoel D’Almeida
Filho temos um juazeiro alto, bonito e frondoso que fica no quintal do
narrador. Tal árvore abriga uma série de pássaros e ele nota que acabam por
travar uma luta incansável para afastar de lá um inimigo que se aproximou do
juazeiro.
Na sequência vem a história escrita por
Antônio Teodoro do Santos, em que um cavalo é o auxiliar mágico. Joãozinho é
obrigado por um rei déspota a procurar por uma série de coisas, incluindo uma
sereia que ele quer desposar. Para confundir o rei o protagonista vale-se da
máxima de que a palavra de um rei não volta atrás.
Nas quatro primeiras histórias da Antologia
do Cordel Brasileiro, que tem organização de Marco Haurélio, já temos uma noção
da grandiosidade da obra. Nessas histórias iniciais vemos um pouco de tudo
aquilo que há contido na literatura de cordel: seres fantásticos, ícones
religiosos, lendas e personagens que representam o povo. Essa é a mística da
literatura de cordel que nos traz uma representação de brasilidade, sobretudo
por ser uma literatura que tem forte ligação com o povo nordestino. Marco
Haurélio, o organizador, é poeta, cordelista e pesquisador da cultura popular
brasileira.
Nessa antologia temos uma gama variada de
cordéis que compreendem a produção de um longo período, cujo espaço temporal
entre a primeira e a última história contida no livro é de mais de um século.
Os Três Irmãos Caçadores e o Macaco da
Montaha, de Francisco Sales Arêda é a história que segue narrando sobre três
filhos de um caçador. Gaudêncio, Januário e Gerimário, com um macaco, tem de
enfrentar o gigante Tropeço.
Manoel Pereira Sobrinho brinda o leitor com No
Tempo Em Que os Bichos Falavam, que apresenta um antagonismo entre um caçador e
uma cobra. Abaixo destaco um trecho do cordel.
“Oh! Deus Pai e grande autor
Das forças celestiais,
Dai-me forte pensamento
E potências autorais
Para descrever a vida
E a fala dos animais”
Interessante observar o trecho acima, pois
notará o leitor que em muitos momentos, no cordel, o narrador que confunde-se
com o próprio autor escreve de modo a se referir a outra pessoa, fora da
história. Ora pede a Deus, como no caso acima, ora também pede atenção do
próprio leitor ou de um personagem que esteja contido na história.
De Severino Borges Silva temos O Valente
Felisberto e o Reino dos Encantos. Claramente inspirado em contos de fadas a
história do valente que dá nome ao cordel traz encantos, princesas, príncipes,
gigante e anão.
Temos ainda na antologia o cordel O
Feiticeiro do Reino do Monte Branco, de autoria de Minelvino Francisco Silva,
em que um feiticeiro apadrinha um menino que aprende a arte da bruxaria por
meio dos livros de feitiçaria. Uma princesa surge na história.
Uma das coisas que encanta na literatura de
cordel é o fantástico aparecendo nos versos. A mescla de realidade e fantasia,
a pluralidade de acontecimentos que cercam os personagens e a conexão que
algumas histórias trazem para falar sobre o povo, com suas crenças, suas
necessidades e suas buscas pessoais; mesmo que haja uma tinta forte para nos
contar, torna o gênero bastante rico. Sem contar que temos personagens que na
sua simplicidade, conseguem tocar o leitor pelo modo sábio que conduzem os
entraves que surgem em suas vidas.
A rima dá cadência à leitura e quando menos o
leitor espera já terá passado da metade do livro, já terá embarcado no universo
descrito nos cordéis e estará “cantando” mentalmente os versos que lê. As capas
dos cordéis também são um show a parte, e no livro, temos as ilustrações de Erivaldo
Ferreira da Silva, nascido no Rio de Janeiro e que é considerado um dos
artistas mais representativos da xilogravura brasileira.
No cordel seguinte ninguém pode olhar para a
princesa, senão será condenado à forca. João Sem Destino no Reino dos
Enforcados, de Antônio Alves da Silva, fala sobre esse personagem que dá nome
ao cordel e que chega no reino e se depara com dez homens pendurados. Ele é
levado ao Tribunal, acusado de olhar para a filha do monarca. Com sagacidade
João faz um pedido inusitado.
A história que segue é João Grilo, Um
Presepeiro no Palácio, de Pedro Monteiro. O que João fará no palácio?
Adivinhação. Pelo título dá para o leitor pressupor o que há de ocorrer na
aventura contada pelo autor. E, depois, temos O Reino da Torre de Outro, em que
Rouxinol Rinaré, nos apresenta versos inspirados em um conto que leu em Sílvio
Romero.
Já em O Rico Preguiçoso e o Pobre
Abestalhado, de Arievaldo Viana, temos um rico sovina que viveu em Pernambuco
que tinha um compadre camponês, tido como simples e abestalhado. Nesse cordel,
temos também a aparição da Virgem, uma referência à Deus, valores religiosos
expostos. É uma história que trata de ganância e cobiça levando à injustiça.
Em O Conde Mendigo e a Princesa Orgulhosa, de
autoria de Evaristo Geraldo da Silva, temos Sidônia, uma princesa não muito bem
quista pelo seu comportamento. Ela não aceita nenhum pretendente até que seu
pai faz uma promessa e um mendigo a pede em casamento.
De Klévisson Viana temos Pedro Malasartes e o
Urubu Adivinhão, o penúltimo cordel presente na antologia que se encerra com As
Três Folhas da Serpente, de Marco Haurélio.
“Traíste um guerreiro que
Queria morrer contigo,
Fizeste o que não se faz
Com o pior inimigo.
Teu e este cão tereis
A morte como castigo!”
A literatura de cordel é, sem dúvida, um
grande legado do Nordeste. Foi reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro
em setembro de 2018. Temos na antologia um gênero literário que sobrevive para
além dos best-sellers literários e que ocupa sim o seu lugar, e que se renova
com novos autores. Cordel continua conquistando leitores, traz uma brasilidade
que mexe com nossos laços afetivos, nos conecta com o imaginário e o
fantástico.
A cultura popular mescla-se com o erudito,
posto que há inspiração em mitos, passa pela religiosidade, flerta com a
fantasia, tem referências a outras grandes histórias criadas pelos homens ao
longo do tempo, atinge a realidade e se lança para o absurdo. Nas páginas dos
cordéis temos muita oralidade nos versos, a ironia, o sarcasmo e o humor. A
literatura de cordel é rica e a Antologia do Cordel Brasileiro nos dá essa
visão. A Global Editora acertou em cheio com os textos que refletem momentos
distintos do cordel. Leitura mais que recomendada.
Sobre o
organizador:
Marco Aurélio é poeta popular, professor,
folclorista e editor, é um dos nomes de maior destaque na literatura de cordel
da atualidade. Ministra oficinas e profere palestras sobre literatura de cordel
e cultura popular em todo o Brasil. Autor de Contos Folclóricos Brasileiros e
Fábulas do Brasil e Breve História da Literatura de Corde, e dos livros
infantis O Príncipe que Via Defeito em Tudo, A Lenda do Saci-Pererê e Os Três
Porquinhos em Cordel. Publicou os cordéis Presepadas de Chicó e Astúcias de João
Grilo, História da Moura Torta, Nordeste – Terra de Bravos, Belisfronte, o
Filho do Pescador e O Herói da Montanha
Negra. Pela Global Editora publicou Meus Romances de Cordel, uma antologia de
suas melhores composições.
Ficha
Técnica
Título: Antologia do Cordel
Brasileiro
Escritor: Marco Haurélio
Editora: Global
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-260-1599-9
Número
de Páginas:
253
Ano: 2012
Assunto: Cordel brasileiro
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