“Orelhas não falam. Uma resposta seja ela bem
ou mal educada nunca virá de orelha alguma, não importa o que ela ouça.”
Relato Inspirado por Orelhas, foi publicado
em 2010. Escrito por Paula Febbe o livro tem uma protagonista que narra sua trajetória, ou melhor, conta-nos sobre passagens da sua vida
e de sua família.
Fala do avô que já
se foi, da avó que não conhece seus próprios defeitos – “era cega sobre si mesma”. Fala ainda sobre a mãe que limpa
incessantemente a casa querendo extrair dali toda a sujeira (que talvez não
seja do ambiente, mas de algo que a perturba). Temos ainda na história, o pai, “um homem vulgar de capacidade limitada e um
grande ego”.
De forma direta e
crua a voz da narrativa revela os bastidores da vida dessa família pela
manifestação de uma de suas integrantes. Para além das questões externas, há
nos relatos uma percepção que nós, leitores, faremos sobre os aspectos
psicológicos desses personagens e todos os sentimentos que envolvem suas
relações – ainda que muitas vezes eles não estejam descritos inteiramente no
que nos conta a protagonista que não se identifica.
Reside aí, na não
identificação da personagem, um jeito de trazer à tona questões que são humanas
e que não precisam, necessariamente, ter nome, endereço ou CPF. A identificação
desta forma não se faz primordial. São histórias que nos movem ou que mexem com
a gente de indistintas formas e que poderiam ser contadas por Maria, Ana,
Joana, Marília, Pedro, João ou José. Mas o sentimento que nos toma inicialmente
em relação à história construída por essa protagonista vai se transformando.
Quanto mais adentramos os meandros da família, mais sentimentos vão surgindo.
Nos relatos feitos
estão os conflitos entre as pessoas, os silêncios que muitas vezes revelam mais
do que se houvesse ruídos, as percepções que são guardadas na memória e que
deixam marcas e que revelam-se na personalidade e em ações futuras dos
personagens. Muitos são os sinais de relações que são rompidas e a filha (a
narradora) percebe.
A mãe, aquela que
limpa a casa, quer de algum modo chamar a atenção, mas esta lhe é negada. Num
ápice de egoísmo ou de vontade de usufruir de benefícios ela chega a ser
agressiva com a sua mãe (avó da narradora). Entra em cena o dinheiro, numa
única passagem, mas que depois vemos de maneira intrínseca manifestada na aquisição
de uma casa. Elementos para que a família esteja em conflito não faltam ao
longo do que nos é narrado. Sentimentos que poderiam ser tomados pelo leitor como
primordiais no ambiente familiar se secundarizam diante de outros sentimentos conturbados.
Os relatos
demonstram as frustrações da personagem e sua acidez, ou podemos chamar de
distanciamento, que vai criando um vazio entre ela e as pessoas com quem se
relaciona. A empatia dela para com os outros se dilui, acaba. Os relatos colocam
em pauta as aflições de uma família, os sentimentos que ficam camuflados, os
dissabores, os percalços, o rompimento de relações e de elos, a necessidade do
outro. E há coisas tenebrosas que vão sendo contadas com naturalidade,
revelando-se no clímax de um jantar. Cruel, todavia não dá para dizer que não é
humano. Isso é mais assustador, caro leitor.
Paula Febbe tem
uma narrativa única. Os capítulos de Relato Inspirado por Orelhas são curtos, o
texto enxuto e a forma com que a história é contada tem dinamismo. Apesar do
texto rápido e de ser um livro de poucas páginas, a profundidade das relações
que são apresentadas no relato são fortes e intensas. Cada capítulo é como um
fragmento que vai nos dando pinceladas e formando a imagem de quem são aquelas
pessoas e que papel assumem.
Seus personagens,
quase todos inominados, são identificados apenas pela função social que exercem
dentro da família (pai, avô, avô, mãe). Suas características advém muito mais
de suas ações e de um ou outro adjetivo que os qualifica, do que de descrições
longas sobre seu porte físico e sua maneira de pensar. As ações não demonstram
muito mais quem são as pessoas do que o que elas verbalizam?
Da infância até a
fase adulta da narradora as 116 páginas passam por questões que versam também
sobre a velhice, os conflitos internos, a morte, as relações rompidas, a
vingança camuflada (tal qual os sentimentos que vão sendo guardados para depois
explodir de forma trágica). O silêncio nessa família diz muito. E tem um ar de
tensão que permeia todo o relato.
Nós leitores somos
levados por uma jornada que também mexe conosco. Vamos da empatia de uma
infância e de momentos conturbados, passamos por cenas que afligem, e acabamos
nos recônditos mais nefastos da mente e das ações da narradora. O livro deve
ser lido atentamente para que cada trecho e cada frase que ali está relatada
possa ser percebido pelo leitor. Um desfecho surpreendente nos aguarda. Reli as
partes finais para que minha percepção não restasse duvidosa.
Exclamei um palavrão
ao concluir a leitura. É isso mesmo. O fato está lá e a surpresa também, o que
nos leva a perceber todo o trajeto percorrido na história e a tensão das
relações. Em Relato Inspirado por Orelhas temos uma narrativa primorosa. Leitura altamente recomendada.
Foto: Reprodução - Loja Virtual da Autora |
Sobre a autora:
Paula Febbe nasceu
em São Paulo. Formada em roteiro, deu voltas e mais voltas, escrevendo para
rádios, sites, TVs, revistas e jornais até, finalmente, se render ao que sempre
quis fazer: colocar no papel o que passava por sua cabeça sem um prazo de
entrega semanal envolvido. Relato Inspirado por Orelhas foi o seu romance de
estreia. A escritora também publicou o livro Mãos Secas com Apenas Duas Folhas,
que terá nova edição publicada pela Monomito Editorial e o livro Metástase.
Ficha
Técnica
Título: Relato Inspirado por
Orelhas
Escritor: Paula Febbe
Editora: Independente
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-910828-0-3
Número
de Páginas:
61
Ano: 2010
Assunto: Ficção brasileira
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