Livros de terror me atraem. E quando
encontramos boas histórias o encantamento é ainda maior. Foi o que encontrei em
Narrativas do Medo e, para que nada
passe em branco, apresento então cada um dos contos lidos na obra. Como são
contos de autores diferentes, naturalmente, a leitura pode ser feita
de forma sequencial ou como o leitor preferir, posto que em nada interfere a
leitura intercalada. Uma única certeza: boas histórias de terror te esperam.
Tocada
pelo Inimigo
é o primeiro conto do livro. Escrito por Rô Mierling o conto aborda a história
de uma mulher que no trajeto para sua casa sempre vê e ouve um homem gritando
que vê demônios. Assustador, não? Ela o desafia e a partir daí o leitor passa a
ter contato com a história da personagem aos dez anos de idade, o que culmina
numa ligação com a parte inicial do conto. Nós, leitores, adentramos o universo
do sobrenatural com um relato que arrepia e provoca calafrios. Instigante para
a abertura do livro. O conto é baseado em um relato real e a narrativa do medo
já dá suas caras logo na primeira história. Bom começar um livro, cujo conto
primeiro da obra já nos dê uma boa ideia do que vem pela frente. Tocada pelo
Inimigo, sendo um excelente conto, inicia Narrativas do Medo em alto nível.
Sete
Cordas,
de Márcio Benjamim é uma história com regionalismo, manifesto na forma com que
os personagens falam e agem. Sebastião, ou Bastião, é um homem que está em seus
últimos dias, portanto caminha para a morte. Ao lado de seu parceiro Tenório,
um violeiro, ele passa por situações inusitadas, até que aos poucos temos a
revelação do sobrenatural na trama. A narrativa de Márcio é agradável de ler,
dá força aos personagens e mostra a vastidão de tipos que há nesse Brasil, vez
que sai dos grandes centros. Terror genuinamente brasileiro e que agrada muito.
César Bravo participa da antologia com o
conto Agouro. Um homem atormentado
por vozes que o persegue é o personagem central da história. Ele passou a
ouvi-las após um traumático episódio ocorrido no período em que estivera preso.
A tensão e o medo chegam ao leitor. As consequências do que tais vozes são
capazes são imprevisíveis. Um personagem pastor faz o contraponto com o obscuro
que se apresenta no medo que aquele homem tem. É um ótimo conto, que prende a
atenção de quem lê, tem uma narrativa coesa e nos conduz de maneira
surpreendente.
O organizador da seleção de contos, Vitor
Abdala, nos trás Gás Lacrimogênio. A
história se passa durante uma manifestação, em que o confronto entre
manifestantes e policias leva os últimos a utilizar a substância que dá nome ao
conto. No entanto, as coisas tomam o caminho do inexplicável, com a presença de
uma figura singularmente sinistra. Particularmente, gosto de como Vitor Abdala
insere o sobrenatural em seus contos, o que se manifesta em situações corriqueiras
ou completamente fora dos padrões, saindo das situações clichês. Vale a pena
ler para compreender o que estou falando.
Yaoguai, do escritor Geraldo
Fraga, tem também um personagem policial – protagonista que narra a história em
primeira pessoa, durante uma forte chuva que acontece em Recife. Na emboscada
para pegar um contrabandista os policiais acabam sendo surpreendidos. O conto
tem um desfecho intrigante que nos pega de surpresa.
Necrochorume é o conto de Duda
Falcão. O cheiro forte e uma substância espessa cor de piche aparece cobrindo
um pássaro. Pai e filho estão juntos num local para a prática da pesca. Por ali
acabam cruzando com uma menina que contracena com os personagens. O que
acontece? A narrativa tem uma trama instigante e personagens enigmaticamente
sinistros. A figura da garota é bastante peculiar e de certo chamará a atenção
do leitor.
A Lenda
do Raimundinho,
de Daniel Pires, é um conto que traz algo similar as lendas que são bastante
comuns em cidades pequenas. No caso em questão, a trama se desenrola em Avaré,
no interior de São Paulo. Um menino morto, cujo túmulo do cemitério desperta
curiosidade, traz a sobrenaturalidade para a cena. É nesse ar místico que o
protagonista do conto se vê envolvido.
O próximo conto do livro é de autoria de
Marcus Barcelos. O Velho Doria quer
contar uma história. Por meio de uma frase o oculto pode ser invocado. “O velho Doria quer me contar uma história”.
Um homem que, no passado, provocara incêndios nos Estados Unidos reaparece
para trazer tormento e medo.
Penitência, de Rodrigo Ramos,
como o próprio título do conto alude, aborda a história de um homem (um padre),
que terá sua penitência ante o pecado que cometera. O medo que o ronda em
decorrência do passado, o leva a consequências tenebrosas, cercadas pela imagem
de uma figura sinistra e a presença de crianças. A provocação do conto em usar
um ambiente religioso para colocar o contraponto com os males que destaca deixa
a história ainda mais intrigante.
Filhos
do Escuro,
de Hedjan C. S é o décimo conto presente no livro. Um barulho chama a atenção
do personagem. “Primeiro, foi o som de
pés arrastando, depois um baque e agora a maçaneta.” E a vida do crime era prazerosa para Abel,
mas ele encontrara em seu caminho um garoto, filho de sua amada Gerusa. E o que
Abel fez voltará de maneira tenebrosa.
De Marcos DeBrito, Soturno é narrado em versos. A história de um pai que perdeu o
filho para a tuberculose. Adiando seu suicídio, ele recebe a visita da morte.
Surpreendi-me com o texto em verso do autor, que consegue transmitir toda a
essência de sentimentos desse pai por seu filho, a dor que ele carrega e o medo
e angústia que sente diante da morte, com seus questionamentos e sua afronta a
ela.
Malditos
Palhaços
é o conto que segue. Alexandre Callari, o autor, aborda a história de um
escritor chamado Steve. Começa com uma entrevista numa rádio em que revela-se
que o livro “Medo”, lançado pelo personagem, remete ao It, de Stephen King. Das
páginas do seu livro para a vida real o palhaço maldito o assombra.
Alfer Medeiros participa com o conto Aquela que Espreita. A mente turbulenta
de um personagem que se vê mergulhado na escuridão é o cerne da trama. À sua
espreita há algo que é capaz de provocar medo e situações obscuras.
Pesadelo
em Sachsenhausen,
de Paul Richard Ugo é o conto que dá sequência ao livro. O terror manifestado
pelos campos de concentração. Um homem que teve sua família judia atacada se
depara com um hotel em que morou Theodor Eicke, um homem de confiança de
Hitler. Entre o real e o imaginário, a sanidade e a loucura, o personagem passa
por um pesadelo que faz com que o medo o persiga todas as noites. Apavorante!
Em O
Balanço da Velha Árvore, Ademir Pascale, nos traz um conto que remonta a
história de uma criança que aguarda alguém para brincar (e para desvendar um
certo mistério). A narrativa é breve, mas bem estruturada e mexe com o
imaginário de quem lê.
As
Moscas Dormem de Madrugada, tem o título mais inusitado da publicação e o que mais
me chamou a atenção. De autoria de Flávio Karras, traz uma história que aborda
sexo, prazer e morte. A frase que dá nome ao conto, segundo a trama, foi dita
por uma carroceira na época da peste negra. Um conto bastante criativo.
Mundo
em Fúria
é de autoria de Petter Baiestorf. Aqui temos a presença do terror distópico. Um
evento transforma a vida da humanidade e a história se baseia no casal Adão e
Eva (não o casal da Bíblia, embora o nome pareça claramente uma referência) e
revela um novo gêneses.
Sobreviventes, de Melvin Menoviks
conta a história de pai e filho que estão em busca de alcançar o Eldorado. São
eles os únicos sobreviventes. O conto mostra que a fome e a sede podem provocar
coisas terríveis.
Narrativas do Medo é uma antologia de horror
que reúne dezoito contos de grandes nomes do terror nacional. Cada um traz o
seu estilo e o seu método de contar histórias, surpreendendo o leitor a cada
página. Fica claro, outrossim, o estilo próprio de cada um dos autores em sua
narrativa. Alguns apresentam um contorno de viés psicológico, outros escancaram
o medo e o terror com muito sangue e corpos dilacerados, outros trabalham com a
imaginação do leitor em deixar no ar alguns aspectos sombrios.
Os contos presentes no livro são tenebrosos e
trazem o cerne da proposta que é o medo. Ele está presente de distintas formas
e rondando os personagens da obra. Um livro que prende a atenção do leitor, sem
dúvida. O conto de Rô Mierling, na abertura da obra, já dá uma mostra da
qualidade dos contos que seguem. E a qualidade se mantém, não decepciona os
amantes de terror.
É fácil afirmar que a partir da leitura desse
livro há o despertar do interesse pelas obras individuais de cada autor. Vale a
pena ler. Leitura altamente recomendada, sobretudo para quem gosta do gênero
terror, como é o meu caso.
E Narrativa do Medo – Volume Dois está
chegando por aí. Fiquemos atentos para mais uma reunião de contos de terror
nacional de qualidade.
Sobre o
organizador
Vitor Abdala é jornalista e membro da Horror
Writers Association (HWA), dos EUA. É autor das coletâneas Tânatos e Macabra
Mente. Também é coautor das antologias americanas Horror Library – Volume 6 e
Night Shades #1. Participou ainda de antologias brasileiras.
Ficha
Técnica
Título: Narrativas do Medo
Escritor: Ademir Pascale,
Alexandre Callari, Alfer Medeiros, Cesar Bravo, Daniel Pires, Duda Falcão,
Flávio Karras, Geraldo de Fraga, Hedjan C.S., Márcio Benjamin, Marcos DeBrito,
Marcus Barcelos, Melvin Menoviks, Paul Richard Ugo, Petter Baiestorf, Rô
Mierling, Rodrigo Ramos e Vitor Abdala.
Editora: Autografia – Selo
Neblina Negra
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-518-0454-4
Número
de Páginas:
200
Ano: 2017
Assunto: Literatura
brasileira
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