"O silêncio, o cansaço e a sensação de fracasso servem de subtexto
e impulsionam o seu desejo; o desejo, já realizado, de ser artista, de ter o
próprio corpo como matéria-prima de sua arte, um corpo que flutua, que dança,
que resiste, que faz poesia."
Trecho da orelha de "Mátria”
“Mátria” é um livro-corpo que se divide em três partes: Desejo, Mátria e Pathos. Como o próprio título sugere, trata-se de uma busca pelo lugar de expressão da mulher. Não qualquer mulher, uma mulher que tem um corpo, uma origem, um país, uma mátria, nordestina e singular. A partir do seu desejo, da ancestralidade que remonta a Lilith, aquela que renunciou a um suposto paraíso, Laís mergulha na materialidade de ser mulher para encontrar enfim seu pathos, sua capacidade de comover e afetar a nós, leitores, com sua poesia.
Na obra, a autora convida a atravessar a pele-papel que a separa do mundo, mas que também serve de superfície para explorar sua poesia, sua língua, sua escrita e seu bordado. O silêncio, o cansaço e a sensação de fracasso servem de subtexto e impulsionam o seu desejo; o desejo, já realizado, de ser artista, de ter o próprio corpo como matéria-prima de sua arte, um corpo que flutua, que dança, que resiste, que faz poesia. "São temas que me escolheram”, aponta Laís. “Nasci mulher piauiense, não tenho muita escolha aqui”, frisa a autora, evidenciando também que partiu de inquietações pessoais para a escrita dos textos. “Passo caminhada no desejo, na maternidade e na paixão afetada, de maneira firme e puxando as imagens prosaicas do que vivo diariamente.”
Ao longo dos 50
poemas — que adotam um estilo prosaico de métrica livre —, os leitores
mergulham em mére-mar-mãe-mátria, esse lugar cheio d’água, profundo, no
qual é possível se reconectar com a origem de si e encontrar a pausa da
exaustão. De volta à superfície, é preciso puxar o ar com força como quem busca
o pathos, “a coragem de descrever o que não é meu e não pertence, apenas
é”. A poesia de Laís oferece a outras mulheres um espelho para que elas saibam
quem são.
"Não penso em
mensagens, mas em imagens. Uma visão de como a mulher conjuga os verbos
enquanto sujeito é o que pretendo comunicar de maneira direta e pontual”,
aponta a autora. Essa descrição pode ser observada já a partir do título, que
subverte a palavra "pátria", usada para se referir a um território de
origem, clamando por um espaço em que as mulheres tenham direito à voz, à
expressão e a uma história. Deste modo, “Mátria” também traz
um coro de mulheres poetas como referências principais, tais como Ana Cristina
César, Matilde Campilho, Maya Angelou, Renata Flávia, Cecília Meirelles e
Sophia de Mello Breyner Andresen.
Segundo Laís, a
escolha de resgatar a própria história na poesia veio com urgência e de maneira
espontânea. A poeta revela ter passado por conflitos internos e frustrações com
a maternidade. Além disso, o apagamento histórico de sua família, cuja ancestralidade
se mostra presente apenas em sua face "entre a indígena e a negra",
também foi um questionamento importante na formulação da proposta da obra.
"As mulheres foram sobrevivendo, sempre levando a família adiante. Em face
dessa realidade onipresente no Brasil, declarei o território 'Mátria'",
reafirma.
O processo de
criação ocorreu ao longo de um período de 15 anos, com sua versão inicial
concluída em 2014. Em 2017, o artista piauiense Lysmark Lial produziu a arte de
capa do livro, mas a autora só considerou o projeto concluído em 2023. “Mátria” foi
publicado no mesmo ano, com edição da Paraquedas, selo de publicação assistida
da editora Claraboia.
“Esse livro representa um peso que me livrei. Em outros momentos esse livro representa meu cansaço descomunal enquanto mulher, num desassossego (essa maravilhosa palavra cheia de esses)”, comenta. “Por dentro consegui me sentir escritora, poeta, pois passei a existir no mundo. Essa obra é uma presença, não meço a dimensão, mas sinto como presença na linha do tempo da escritura sem fim.”
Laís Romero / Foto: Divulgação |
Mulher, mãe e
escritora: os desdobramentos de Laís Romero
Nascida em 1986,
Laís Romero nasceu, cresceu e reside em Teresina, no Piauí. É mãe do Luís e do
Júlio. Possui mestrado em letras pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e
especialização em escrita e criação pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente,
trabalha como revisora e editora. Possui poemas e textos literários em diversas
antologias e revistas.
Laís também se destaca por sua trajetória acadêmica. Formada em Letras e Mestre em Literatura, a escritora também atuou como professora de Língua Portuguesa no Instituto Federal do Maranhão e como professora substituta de Literatura no curso de Letras/Libras na UFPI. Desde 2022, cursa bacharelado em Medicina.
Mátria
meu corpo abrigo
país dos meus filhos
meu corpo ferido frio
corpo dormindo
capataz dos meus delírios
corpo vasto território
corpo de corte e tintura
mapa em relevo da dor
meu corpo sereno
corpo, pelos e suor
meu corpo diz e asseguro
estar a caminho
no presente
e nos medos multiplicação
Meu corpo aberto e preciso
Coragem, eu insisto
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