“Existe
todo um discurso de que não há racismo no Brasil. Afinal, nós fazemos parte de
um povo pra lá de miscigenado. Mas quem é negro como eu sabe que a cor é motivo
de discriminação diária, sim.”
Na Minha Pele, de Lázaro Ramos, foi publicado
pela Editora Objetiva (1ª edição; 146 páginas) em 2017.
Como a capa traz a imagem do próprio autor,
há quem possa imaginar que trata-se de uma biografia, mas não. Não é uma
biografia/autobiografia, embora tenha trechos que expressam passagens da vida
de Lázaro Ramos. Como a história que conta sobre a sua origem. Ele viveu na
Ilha do Paty – um distrito de São Francisco do Conde – município a 72
quilômetros da capital baiana.
A vida de Lázaro contada no livro serve de
fio condutor para que ele trate de assuntos que são pertinentes e devem ser
debatidos e compreendidos pela sociedade como um todo. “A linha que costura este livro é a minha formação de identidade e
consciência sobre esse tema, mas que, no fundo, é um artifício para falar de todos
nós” – expressa o autor no prólogo.
Lázaro Ramos aborda o preconceito racional no
mercado de trabalho, no âmbito publicitário, na televisão, na vida cotidiana. E
fala, sobretudo, da formação de identidade, de conhecer-se e reconhecer-se
negro, cidadão, humano. É imprescindível que o negro conheça seu passado,
apodere-se de sua força e de sua posição na vida, pois como ele escreve “não há vida com limite preestabelecido. Seu
lugar é aquele em que você sonha estar.”
Na primeira parte o autor trata de sua
formação. Fala da sua infância, da participação no grupo de teatro, do adentrar
o mercado de trabalho, de entes da família, e das pessoas que o circundavam.
Necessário passar pelo tema para que compreendamos a formação do indivíduo e o
posicionamento que vai adotando com o decorrer do tempo.
Na página 71, mais precisamente, temos um
trecho em que o autor conversa com o leitor. Questiona quem é leitor e como
este se coloca frente ao autor. Revela que ficou um tempo sem escrever, mas que
“a saída foi permitir que o fluxo
contínuo e impreciso” dos seus pensamentos o conduzisse pela conversa
franca que se revela. Uma conversa franca que fala sobre o corpo e a pele em
que habita.
A partir daí, o livro que já se demonstrava
interessante, passa a ser mais. Os grandes incômodos, apontamentos, reflexões,
provocações, estão na segunda parte da obra.
É nessa etapa que fala sobre o imaginário dos
papéis negros, sobre o posicionamento que teve de ter diante de sua própria
carreira, sobre as escolhas para construir a sua narrativa de vida. Aborda
questões como empoderamento, afetividade, a luta da juventude com consciência
política.
Em síntese, podemos dizer que pelas palavras
de Lázaro Ramos, o leitor vai se deparar com reflexões sobre respeito,
libertação e discriminação.
Na Minha Pele é um livro de relato franco,
aberto, que não deixa de tocar em assuntos importantes, que não camufla a
expressão do posicionamento do autor. Abre vertente para o debate. É inegável
que o livro traz a experiência pautada na memória e na vivência de quem sabe o
que é ser negro no Brasil.
Lázaro Ramos, na trajetória da narrativa que
apresenta ao leitor, cita várias referências literárias, cinematográficas e de
pessoas que representam a negritude. São citados: Ana Maria Gonçalves (autora
do livro Um Defeito de Cor), Conceição Evaristo (escritora), Taís Araújo
(atriz, casada com o autor e que é uma mulher engajada e de opinião), Luiz
Gonzaga Pinto da Gama (um intelectual que aos dez anos de idade foi vendido
como escravo), entre outros.
Quando vi a quantidade de páginas do livro,
confesso que pensei que o tema do racismo poderia ser tratado de forma
superficial. Mas fui surpreendido pela contundência do autor. Pela própria
vivência de Lázaro Ramos é possível ter empatia e refletir sobre todas as
questões abordadas por ele.
“As
rasteiras raciais vêm sempre de imprevisto.”
O livro é de sensibilidade, sem deixar de
tocar na ferida, de provocar, portanto, se faz corajoso. O autor se expõe,
conta sua história e suas visões, como uma voz que pede que o próprio negro se
reconheça, se empodere, seja dono de sua vida, sem negar sua história. E aos de
outras cores, que reconheça. Quem dera vivêssemos num país, num mundo, em que
não houvesse desigualdades ou preconceito por conta da cor da pele. Mas se
vivemos num ambiente assim, temos que mudar, temos que dar espaço, dar vez e
voz a quem sofre diariamente preconceito.
O tema não se esgota nesse livro, mas enseja
reflexões e chama a atenção sobre a sociedade que manifesta-se racista, mas diz
em alto e bom tom que não é.
“Olhar
para o outro com desejo, potencializar o afeto por meio do toque, tudo isso
traz autoestima e conforto. A morte pela solidão, por não receber um olhar de
carinho, de desejo, é trágica.”
Leitura recomendada.
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor
Lázaro Ramos nasceu em 1978 em Salvador,
Bahia. Ao longo de sua carreira, já dirigiu, produziu, escreveu e atuou em
inúmeros longas, curtas, séries, novelas, especiais e espetáculos teatrais.
Começou no Bando de Teatro Olodum, e o filme Madame Satã (2002) foi o seu
primeiro grande sucesso. Acumula mais de sessenta prêmios em teatro e
televisão. Foi indicado ao Emmy 2007 de melhor ator, por sua interpretação como
Foguinho na novela Cobras & Lagartos. Em julho de 2009, foi nomeado
embaixador da Unicef. Na televisão comanda o programa Espelho, no Canal Brasil,
com doze temporadas, e protagoniza a série Mister Brau (no ar desde 2015).
Ficha
Técnica
Título: Na Minha Pele
Escritor: Lázaro Ramos
Editora: Objetiva
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-470-0041-7
Número
de Páginas:
147
Ano: 2017
Assunto: Discriminação
racial / memórias
Ah Tomoo, que linda resenha!
ResponderExcluirQuero muito ler esse livro e sua resenha só me fez ficar mais curiosa e sedenta por ele.
Parece realmente uma conversa, para direcionar olhares e mostrar vivências!
Vc já leu "Viva o Povo Brasileiro"? Estou lendo, é bem denso, mas enriquecedor. É lindo ver que agora estamos dando valor, finalmente, às causas afro, às ancestralidades e tentando resgatar memórias do povo negro. Por mais livros assim! ^^
Parabéns pela resenha! ♥
Bjs,
EntreLinhas Fantásticas
Oi, Denise. Ainda não li Viva o Povo Brasileiro, mas vou colocar na lista. Obrigado pela dica, pela visita e pelas palavras.
ExcluirBeijos.