Entrevista: Cláudia Lemes - Tomo Literário

 


Cláudia Lemes é escritora, editora, ghost writer e leitora crítica. Publicou romances e contos. Entre seus livros estão Eu Vejo Kate (I e II), Inferno no Ártico e Quando os Mortos Falam. Este último foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria romance de entretenimento e venceu o Prêmio Aberst.


Além da atuação como escritora e da criação de cursos, tais como o Santa Adrenalina, VIP, Crime-lab, BOLD e O Worldbuilding de John Wick, Cláudia foi idealizadora da ABERST – Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror e presidiu a associação nos anos iniciais.


A autora de Medeia Morta concedeu uma entrevista ao Tomo Literário em que fala sobre sua trajetória no mercado literário, sobre o mercado para os livros de suspense, além de contar sobre o processo do livro publicado pela Harper Collins. Abordamos também a criação da Aberst, a indicação ao Jabuti, o selo Rocket que fará parte da Avec Editora nesse ano de 2024, autores e livros que a inspiraram e muito mais.


A entrevista foi publicada em primeira mão para os integrantes do Tomo Literário Clube de Leitores e agora compartilho com os leitores do site.


Confira a entrevista:


Tomo Literário: Como se deu sua trajetória até você chegar ao mercado literário? Como e quando você decidiu se tornar escritora?


Cláudia Lemes: Eu nunca tomei uma decisão consciente de escrever como profissão. Fanática por livros desde a infância, sempre escrevi por prazer, atividade que ganhou força quando eu era adolescente e se intensificou a partir dos dezoito anos. Quando escrevi Eu Vejo Kate eu ainda só escrevia para mim. Foi meu marido que me incentivou a autopublicar e a partir daí as coisas ganharam força, quando comecei a encontrar um público ávido pelos tipos de histórias que escrevia.


Tomo Literário: Aparentemente temos observado nos últimos anos uma aproximação dos leitores brasileiros com os livros de terror e os thrillers. Como você tem visto essa busca dos leitores por tais livros? De fato temos uma abertura maior no mercado editorial para tais gêneros?


Cláudia Lemes: Estamos na era de ouro dos thrillers, enquanto o horror está num pico recorrente, uma vez que é um gênero de altos e baixos. A produção nacional sempre existiu, embora muito tímida, mas ganhou força nos últimos dez anos, não por coincidência justamente quando a autopublicação tornou-se fácil. O encontro entre leitor e livros desejados floresceu no mesmo ritmo, em grande parte devido às redes sociais. Mesmo assim, a entrada desses gêneros nas grandes editoras, embora mais comum hoje, ainda é muito difícil.


Tomo Literário: Como foi o processo de desenvolvimento de Medeia Morta? Quando surgiu a ideia e como foi que o livro chegou até a Harper Collins?


Cláudia Lemes: Medeia nasceu de um pedido do Caco Souza, diretor de cinema com quem eu trabalhei no filme Até a Noite Terminar, por um roteiro que misturava thriller com erotismo. A ideia me veio ouvindo a música Strangelove, do Depeche Mode, e foi se formando aos poucos. No final, decidimos não transformar a premissa de Medeia em filme, mas a história não saía da minha cabeça, então comecei a escrever o livro, que abandonei depois de alguns capítulos, porque ainda não sabia se queria voltar ao mercado depois de ter anunciado meu hiato em 2020.


Quando a Harper me pediu um original, pois a publisher já conhecia meu trabalho há muitos anos e tínhamos uma relação amigável e de respeito mútuo, eu fiz o pitch da ideia para eles, que gostaram. Assim, terminei o livro em poucos meses e o apresentei à editora.


Tomo Literário: Você tem personagens femininas bem fortes e que, mesmo com a força que demonstram, têm fragilidades. Como você constrói suas personagens? Elas normalmente partem da história que você cria ou também acontece o contrário, ou seja, a história nascendo a partir da personagem?


Cláudia Lemes: Não existe bem um “o que veio antes” comigo, eu desenvolvo as personagens enquanto desenvolvo a história, simultaneamente. Sinto que a história merece e pede por personagens específicas, enquanto tento trabalhar a trama para ser digna das personagens e potencializar suas fraquezas e qualidades, então é como uma dança. Eu não tento escrever personagens “fortes” de forma consciente; elas vão ganhando camadas. Sinto que é a história que as força a ser fortes.


Tomo Literário: Você é editora da Rocket Editorial que, em 2024, será um selo da AVEC Editora. O que os leitores podem esperar para esse novo ano?


Cláudia Lemes: Ainda não temos um grande plano arquitetado para a Rocket, porque minha ideia com a editora foi justamente tomar um fôlego em 2024. Mesmo assim, ainda temos livros para publicar, como o Legítima Defesa, da Iza Artagão e o Pho-Dah-C do Flávio Karras. Em breve terei uma reunião com o Artur Vecchi para decidirmos quantos títulos a editora publicará este ano, quais serão reimpressos e quais virarão e-book. E eu sempre estou de olho, procurando projetos que cativam meu coração.

Tomo Literário: Qual é a importância das redes sociais hoje para os autores nacionais, sobretudo para os autores independentes?


Cláudia Lemes: Toda. Já não existe carreira de escritor no Brasil que não dependa das redes sociais. Autores de casas editoriais gigantes podem até se dar ao luxo de permanecerem offline, mas isso não se aplica a 99% dos autores nacionais, em especial os independentes, que dependem muito dos influencers literários e da base de leitores que só encontramos e fidelizamos por meio das redes.


O problema é que as redes exigem muito tempo, paciência e esforço, e para quem escreve como segunda e às vezes terceira carreira, é uma vivência exaustiva, o que muitas vezes facilita a desmotivação dos autores. Tretas literárias infantis, fabricadas com o único propósito de conseguir engajamento — a moeda das redes —, tornam o ambiente tóxico demais para quem faz e expõe arte.


Tomo Literário: Em Eu vejo Kate nós temos uma playlist do Nathan, no Quando os mortos falam temos alguns filmes mencionados e no Medeia morta nós temos livros que são apresentados ao longo da trama. As músicas, filmes e livros são aqueles que a escritora ouviu, leu e gostou ou você faz algum outro tipo de pesquisa para relacionar essas artes com suas histórias e personagens?


Cláudia Lemes: Um pouco das duas coisas. Praticamente todas as referências que coloco nos meus livros vêm da admiração pelas obras ou artistas citados, o reconhecimento da relevância deles para o gênero ou apenas meu gosto pessoal mesmo, que gosto de imprimir em tudo o que faço. Raramente preciso fazer pesquisas para as referências, mas às vezes acontece sim, como no caso de alguns livros mencionados no Medeia Morta.

Tomo Literário: Você foi responsável pela idealização e fundação da ABERST – Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror. Como você encara a importância da associação para os escritores desde a criação até os dias atuais?


Cláudia Lemes: Olha, numa pergunta lá em cima você afirmou que o suspense e horror têm ganhado força nos últimos anos. Eu não vou ser modesta aqui não: a ABERST fez um trabalho exaustivo e competente na inserção de autores no mercado, na profissionalização e visibilidade desses autores e no fortalecimento desses gêneros, por meio de eventos, cursos, ações nas redes sociais e claro, a premiação da associação. Não vemos o mesmo tipo de crescimento nos outros gêneros (romance, fantasia, ficção científica, chick-lit) no cenário nacional últimos seis anos. Eu não acho isso coincidência.


Tomo Literário: Além de ser autora, você é editora, ministra cursos, é ghostwriting e leitora crítica. Conte-nos um pouco sobre esses seus outros trabalhos e de que forma os leitores e autores interessados podem te procurar para tais serviços.


Cláudia Lemes: Quando entrei no mercado, eu tinha verdadeira aversão à autores novatos dando cursos de escrita criativa, por exemplo (e confesso que ainda tenho um pouco) então nunca me vi seguindo esse caminho. Eu já tinha uma profissão “formal” – trabalho com tradução, interpretação e ensino de idiomas desde os 17 anos, sendo coordenadora de duas escolas e professora por mais de 23 anos. Então a escrita era para ser só um hobby.


Só que o cenário pedia profissionais com didática (não só experiência e conhecimento) para profissionalizar os milhares de autores que estavam chegando no mercado. Quando fui convidada a dar o primeiro curso, pensei “mas gente, eu não sou qualificada para isso”. Estudei que nem uma louca e fiz o que já havia virado uma segunda natureza: montei um curso dinâmico, leve, mas carregado de informação e voltado para o aspecto prático da escrita. Isso maravilhou os alunos, e a demanda cresceu. Não porque eu sabia mais do que os outros (não sabia), mas porque eu sabia ensinar.


Passei a estudar obsessivamente para não decepcionar esses alunos, e meus workshops foram crescendo no boca a boca. Logo, publiquei o Santa Adrenalina, que encantou outros autores, e aí passei a desenvolver outros cursos, sendo o Bold o mais consolidado. Em três anos já são mais de 250 alunos, 130 aulas e só avaliações 5 estrelas.


Como consequência, passei a estudar e me desenvolver em outras áreas, como a leitura crítica. Já entreguei mais de 150 leituras nos últimos seis anos. As mentorias foram crescendo na mesma proporção, e em 2020 fiz o curso de ghostwriting, que mudou minha vida completamente. Com 13 contratos fechados em menos de três anos, um novo mundo se abriu para mim, em que percebi que acreditei numa mentira a minha vida inteira: a de que escritores no Brasil não ganhavam dinheiro.


Ghostwriting é uma carreira com muita demanda e que paga tão bem, que meu único arrependimento foi não ter começado antes. Para quebrar os mitos que me prejudicaram por tanto tempo, desenvolvi meu próprio curso de ghostwriting, que vai ao ar agora em fevereiro. Acho que vai ajudar muitos autores a conquistarem independência financeira por meio da escrita. Interessados podem saber mais no meu site, www.claudialemes.com.br ou no perfil do IG do @cursobold.


Tomo Literário: O que representou para você ser finalista do Prêmio Jabuti com o livro “Quando os mortos falam”? E também como foi ser ganhadora do Prêmio Aberst com o mesmo livro?


Cláudia Lemes: Fiquei surpresa, porque não achava que um livro com tantas referências a filmes de horror gringos iria um dia ser finalista de um prêmio tão tradicional. Ser indicada pelo Quando os Mortos Falam curou algumas feridas que eu tinha em relação ao mercado e me deixou contente, pois ajudou a editora. A conversa com a Harper começou antes do anúncio do livro como finalista, mas é possível que a indicação tenha ajudado também na solidificação dessa intenção de publicação.


Vencer o prêmio ABERST teve um gosto agridoce, lógico, porque haters que não leem o edital do prêmio gostam de dizer que meu prêmio foi facilitado pela associação, sendo que basta estudar por dois minutos para entender que são jurados de fora da ABERST que escolhem os vencedores. O legal do que rolou em 2022 é que com a indicação ao Jabuti pelo mesmo livro, não sobrou muito para os haters dizerem.


Tomo Literário: Traduzir e publicar O crime da quinta avenida, de Anna Katherine Green, autora que inspirou Agatha Christie e Arthur Conan Doyle, deve ter sido um trabalho especial. Você pensa em republicar a obra, já que foi aquela foi a primeira versão brasileira do livro?


Cláudia Lemes: Esse trabalho é um dos meus maiores orgulhos no mercado editorial. Eu me identifiquei imediatamente com a história de vida da Anna e até seu estilo de escrita. Foi um trabalho árduo, porque traduzir um livro da época e de tamanho considerável exigiu muito de mim, mas se pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo. Não penso em republicar apenas porque não sei se os custos se pagariam, tendo em vista que é um livro caro de produzir e não temos tantos leitores atrás dele. Infelizmente essa é a realidade do mercado.


Tomo Literário: Quais são os escritores e/ou as escritoras que, de alguma forma, te inspiram no seu processo de escrita ou que fizeram parte do seu processo de formação como escritora?


Cláudia Lemes: Creio que todos que li desde criança contribuíram para a minha formação como escritora, porque a cada livro lido, meu repertório crescia, meu mundo se expandia e meu amor por histórias se fortalecia. Alguns autores que frequentemente cito como inspirações são James Ellroy, Anne Rice, Stephen King, Clive Barker e Karin Slaughter.


Tomo Literário: Que livros você recomendaria aos leitores do clube e do site?


Cláudia Lemes: Entre meus preferidos estão As Cinzas de Ângela, do Frank McCourt; O Sol é Para Todos, da Harper Lee, que li na adolescência; Tudo é Rio, da Carla Madeira, alguns clássicos do horror como O Bebê de Rosemary e O Exorcista, assim como Hellraiser (The Hellbound Heart), do Barker; Matadouro 5, do Kurt Vonnegut; As Brumas de Avalon, da Marion Zimmer Bradley; My Heart is a Chainsaw, do Stephen Graham Jones, a saga das bruxas Mayfair, da Anne Rice, O Cemitério, do King…


Tomo Literário: Tem projeto novo vindo por aí? Pode nos contar um pouco sobre eles?


Cláudia Lemes: Tem sim, mas esse thriller está levando mais tempo para ser escrito do que os outros porque está sendo atropelado por muitos projetos de ghostwriting. Posso dizer que estou na primeira reescrita dele, a história se passa na pandemia, e os temas são amnésia, maternidade, isolamento e os nossos horrores de cada dia.


Tomo Literário: Vamos fazer um “isto ou aquilo” e você complementa com o que achar necessário:

Tomo Literário: Um martini ou um vinho?

Cláudia Lemes: Um martini. Não gosto de vinho tinto. Tomo um vinho branco ou um rosê de vez em nunca.


Tomo Literário: O frio do Alaska ou o calor de Santos?

Cláudia Lemes: O calor de Santos, eu sou uma das poucas pessoas que lida bem com o calor. Sou de sol, praia e mar.


Tomo Literário: Se tivesse que escolher uma dupla ela seria: Barbara e Kate ou Suellen e Medeia?

Cláudia Lemes: Suellen e Medeia são retraídas demais para uma parceria, então eu diria Barbara e Kate sem dúvidas.


Tomo Literário: Filmes de terror ou livros de terror?

Cláudia Lemes: Para mim, é impossível escolher. São experiências completamente diferentes.


Tomo Literário: Filmes de suspense ou séries de suspense?

Cláudia Lemes: Não tenho muito tempo para séries, infelizmente, porque algumas são realmente muito boas (a primeira temporada de True Detective forma caráter), então com certeza filmes.


Tomo Literário: Família reunida no Natal ou família reunida no Halloween?

Cláudia Lemes: Aqui o Halloween é especial, um evento que dura o mês inteiro em outubro. Já o Natal é muito querido, mas ofuscado por outras coisas: dois dos meus filhos fazem aniversário em dezembro, o Dudu justamente no dia 25, e além disso tem férias e mais um monte de coisa. O Halloween aqui sempre ganha.


Tomo Literário: O que é mais difícil: escrever para si ou escrever para os outros?


Cláudia Lemes: Escrever para os outros é uma cilada. No começo, pode até dar certo, mas a conta chega muito rápido. Você nunca vai agradar todo mundo e nem deveria, a arte tem que incomodar. O caminho é escrever para você e entregar ao mundo sem pedir muito em troca. Publicando obras verdadeiras, seu público encontrará você. Vejo que os autores que quiseram seguir fórmulas para agradar a todos, se esquivando de temas complexos, pasteurizando seus personagens e escrita, não conseguiram entregar nada de qualidade depois do segundo livro e se desmotivaram. É inevitável. Escrever para si é algo do qual você nunca vai se arrepender.


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