Entrevista: Luisa Destri - Tomo Literário

 


Luisa Destri é doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (2016), mestra em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (2010) e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Faculdade Cásper Líbero (2006).


Coautora de "Eu e não outra - a vida intensa de Hilda Hilst", biografia da escritora Hilda Hilst e de "Por que ler Hilda Hilst", organizou a antologia "Uma superfície de gelo ancorada no riso", com escritos da mesma autora.


Há mais de dez anos trabalha entre as duas áreas de formação - Jornalismo e Letras, desempenhando atividades que conjugam a formação literária e a prática jornalística, como produção de conteúdo, ensino e pesquisa.


Luisa concedeu uma entrevista ao Tomo Literário Clube de Leitores em que falou sobre a biografia, as pesquisas para a composição do livro, sobre Hilda Hilst, livros que lê e muito mais. A entrevista foi publicada em primeira mão para os integrantes do clube e agora é compartilhada com os leitores do site.


Tomo Literário: Na sua trajetória como pesquisadora, Hilda Hilst é um nome marcante. Por que a escolha dessa escritora?


Luisa Destri: Comecei a pesquisar a trajetória de Hilda ainda na faculdade de jornalismo, quando soube de uma senhora excêntrica, que escrevia textos ousados e vivia reclusa em Campinas, na companhia de dezenas de cães. Fui me apaixonando pela personagem que Hilda Hilst criou para si mesma e pelos livros que escreveu - sobretudo os poemas. A partir daí nasceu a proposta da pesquisa biográfica em conjunto com a Laura e também o projeto de dissertação de mestrado, que defendi na Unicamp em 2010.


Tomo Literário: Você foi uma das consultoras da Ocupação Hilda Hilst que foi organizada pelo Itaú Cultural em 2015. Como foi o processo de montagem daquela ocupação?


Luisa Destri: Trabalhei com a equipe desde as reuniões iniciais até a montagem. Acompanhei o mergulho que fizeram na literatura de Hilda, dando apoio na leitura dos textos e ajudando a delinear os aspectos mais característicos do trabalho da autora -- para que assim fizessem a transposição para a linguagem da exposição. Participei também das incursões no arquivo da Unicamp, que eu já conhecia, e no da Casa do Sol. Além disso, estive presente em algumas discussões curatoriais.


Tomo Literário: Eu e não outra – a vida intensa de Hilda Hilst, publicado pela Tordesilhas, é uma parceria sua com Laura Folgueira e fala da vida da escritora. Sendo a primeira biografia da Hilda, como surgiu a ideia?


Luisa Destri: Nasceu como a ideia descrita em resposta anterior - e foi crescendo diante da grandiosidade que fomos descobrindo em nossa personagem.


Tomo Literário: Como foi o processo de pesquisa para a composição da obra, a consulta dos materiais disponíveis e as entrevistas?


Luisa Destri: A pesquisa envolveu diferentes tipos de fontes: os cadernos e diários de Hilda depositados na Unicamp, os documentos que levantamos em cartórios e outras instituições, matérias de jornais, outras pesquisas sobre o mesmo contexto. Além disso, entrevistamos algumas dezenas de pessoas que conviveram com Hilda - muitas das quais já falecidas, como Dante Casarini, José Luís Mora Fuentes.




Tomo Literário: Hilda Hilst, sem dúvida, é uma pessoa fascinante. Por vezes temos a impressão de que Hilda Hilst é uma figura estereotipada, tida como a escritora intensa, que escreveu pornografia e que vivia isolada. A biografia rompe essa barreira. Foi algo pensado na construção do livro?


Luisa Destri: Acredito que romper essa barreira seja algo que acontece naturalmente com os leitores que se aproximam de Hilda. Embora ela mesma tenha trabalhado para construir essa figura estereotipada, o alcance das reflexões propostas em sua literatura e a maneira como ela problematizou (tanto publicamente como em seus textos) o lugar do escritor na contemporaneidade ampliam muito qualquer ideia que possamos fazer dela.


Tomo Literário: Tem alguma passagem da vida dela que te chamou mais a atenção? Algo inusitado ou até engraçado?


Luisa Destri: Dois traços me surpreendem muito na personalidade dela como mulher, ainda mais quando penso que coexistiram na mesma pessoa, ou até em uma mesma fase de vida: a crença que sempre teve na sua própria grandeza como escritora, o que foi determinante para o modo como se dedicou à literatura ao longo da vida, e a capacidade de se entregar às paixões, a ponto de em suas anotações pessoais assumir um ar de menina ingênua.


Tomo Literário: Durante as pesquisas vocês conseguiram identificar que houve alguma preocupação da escritora em relação ao fato de não ser lida, ou ser pouco lida, por ser mulher? Ou Hilda conseguiu romper essa barreira se desvinculando da questão patriarcal?


Luisa Destri: Hilda comentava muito as dificuldades que enfrentou pessoal e profissionalmente por ser mulher, mas sua visão do feminismo é distinta das visões que encontramos hoje. Eu não diria que ela se desvinculou da questão patriarcal - embora tenha tematizado a emancipação da mulher e embora tenha organizado a sua vida para não depender de nenhuma figura masculina.



Tomo Literário: Algum dos livros de Hilda Hilst te chama mais a atenção? Por qual motivo?


Luisa Destri: Gosto especialmente de Júbilo, memória, noviciado da paixão, que estudei em minha dissertação de mestrado e cuja importância me parece maior a cada dia, e de Com meus olhos de cão, novela muito semelhante a A obscena senhora D, mas também mais bruta e mais claramente vinculada a um tipo de vida que pode ser, com frequência, a dos leitores de Hilda.


Tomo Literário: Quais são os autores que você recomendaria aos nossos leitores? O que a Luisa Destri gosta de ler fora do trabalho de pesquisa e fora da atuação jornalística?


Luisa Destri: Minhas leituras são muito pautadas pelo trabalho: as pesquisas, as resenhas. Sou também professora, e daí surgem ainda outros compromissos de leitura. Mas tenho procurado acompanhar sobretudo a poesia contemporânea. As duas poetas que li recentemente por escolha própria foram Ana Martins Marques e Mar Becker.


Tomo Literário: Tem algum projeto de lançamento de novo livro sendo trabalhado? Pode nos contar um pouco?


Luisa Destri: No momento, estou começando a trabalhar em um artigo sobre Hilda que deverá sair em um livro em Portugal. Tenho outros projetos, mas por enquanto nada concreto em andamento.


Tomo Literário: Gostaria de deixar algum comentário para os leitores do clube e do site?


Luisa Destri: Hilda é um exemplo forte de como a leitura literária deve ao mesmo tempo resistir às dificuldades e respeitá-las. Quer dizer: não é fácil entrar no universo da autora, mas, uma vez que aceitamos essa opacidade e aceitamos circular por sua obra mesmo com incompreensões e dúvidas, as possibilidades de leitura vão se criando e se revelando. É comum isso acontecer diante de obras muito especiais.

 

 


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