Vozes do Joelma - Marcos DeBrito, Marcus Barcelos, Victor Bonini, Rodrigo de Oliveira e Tiago Toy - Tomo Literário

Vozes do Joelma - Marcos DeBrito, Marcus Barcelos, Victor Bonini, Rodrigo de Oliveira e Tiago Toy

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No dia 1 de fevereiro de 1974 aconteceu o incêndio do Edifício Joelma, localizado no centro da cidade de São Paulo. Hoje o prédio chama-se Edifício Praça da Bandeira. A edificação de salas comerciais teve sua rotina interrompida pelo fogo e tornou-se uma das maiores tragédias ocorridas no país.

Dos vinte e cinco andares do edifício, quatorze foram consumidos pelo fogo. A comoção, no entanto, advém do fato de que houve 187 mortos e 300 pessoas feridas. A imagem de pessoas se jogando ou caindo pelas janelas chocou os brasileiros e até hoje, 45 anos depois, muitas são as histórias contadas sobre o evento e muitas outras surgiram depois do episódio.

Os jornais da época publicaram fotos, fizeram cobertura do incêndio, destacaram questões de segurança do prédio, que não tinha, por exemplo, escada de emergência. Segundo reportagens veiculadas no período da tragédia, a causa do incêndio teria sido um curto-circuito no sistema de ar-condicionado do décimo segundo andar.

A fama do Joelma, todavia, não se restringe apenas ao fatídico episódico que está registrado na história da cidade de São Paulo. O edifício passou a ser considerado mal-assombrado, pois funcionários passaram a alegar que ouviam gritos, sussurros, gemidos e até chegaram a mencionar que viam rostos de vítimas que morreram no fogo. Treze pessoas que morreram no elevador ainda perambulam pelo prédio, diz a lenda que marca o local.

Além do próprio prédio, há sondagens que dizem que há lamúria em túmulos de vítimas que foram enterradas sem serem devidamente identificadas. 

Antes do incêndio, o referido prédio já tinha registro de um crime chocante. Ali, naquele terreno em que a edificação foi construída, um homem havia assassinado a mãe e as irmãs e as enterrado no jardim. O assassinato ficou conhecido como O Crime do Poço. Há aqueles que dizem que escravos outrora foram açoitados no mesmo lugar, que serviu de pelourinho. Portanto, dado esses fatos que são contados pelas pessoas, afirma-se que o local está repleto de maldições e assombrações.

Anhangabaú, local em que o edifício está localizado, significa águas do mal. Seria, então, uma indicação de que os indígenas já teriam identificado, previamente, que ali era um lugar de maldição.

O incêndio ocorrido no edifício é fato verídico. As histórias de mal agouro não se sabe, mas há muitos mistérios que rondam o prédio e que não tem explicação.

A tragédia do Joelma já foi apresentada, por exemplo, em filme. Joelma 23º andar é o nome do longa, que foi baseado numa carta psicografada por Chico Xavier. Um dos episódios que envolvem assombrações está ligado ao filme. Numa das cenas, mulheres estão encurraladas pelo fogo e o diretor viu rostos nas paredes.


Vozes do Joelma - Os gritos que não foram ouvidos, foi publicado pela Faro Editorial em 2019 (286 páginas). A editora reuniu quatro grandes nomes do seu catálogo: Marcos DeBrito (O Escravo de Capela e A Casa dos Pesadelos), Victor Bonini (Colega de Quarto, O Casamento e Quando Ela Desaparecer), Rodrigo de Oliveira (As Crônicas do Mortos) e Marcus Barcelos (Horror na Colina de Darrington e Dança da Escuridão). Os quatro autores inspiraram suas histórias em cima dos acontecimentos ou especulações que são feitas sobre a tragédia. Por meio da ficção, eles apresentam quatro histórias de arrepiar que tem ligação com todo o mistério que cerca o Joelma. Ao time de autores se juntou Tiago Toy, que tem a missão de fazer a apresentação das histórias, proporcionando um clima ainda mais sombrio para as narrativas presentes no livro.

A obra tem início com a história contada pelo escritor Marcos DeBrito. "Os Mortos Não Perdoam" conta a história de Pablo, que se passa no final da década de 1940. Um buraco no jardim de um casarão, a residência em que Pablo vive com sua mãe e duas irmãs, destoa dos outros imóveis. Ele anseia casar-se com Isaura, mas a ideia é rechaçada pela família. Pablo tem que lidar com reclamações da mãe, o desprezo das irmãs e ainda sofre alguns abalos. A sanidade do personagem é posta em xeque e as marcas de sangue, dor e lágrimas encharcam o solo do terreno.

De modo bem arquitetado a primeira história nos leva para o período anterior à construção do edifício. Inspira-se, portanto, no horrendo caso do crime que corrobora a maldição do local. Marcos DeBrito, com seu estilo inconfundível, nos brinda com uma ótima história.

Dando sequência ao livro, o leitor vai adentrar a história contada por Rodrigo de Oliveira. "Nos Deixem Queimar" transporta-nos para os anos 1970. Aqui temos uma história que mostra algumas visões sobre o comportamento humano. Temos Gabriel e Samara  que disputam um cargo na empresa em que trabalham, que fica instalada no edifício. E daí decorre o julgamento e o pré-julgamento sobre alguns personagens. 

"Em todo o Brasil, a comoção era geral. Em pouco mais de 20 minutos, as primeiras viaturas do Corpo de Bombeiros chegaram ao local. Um dos soldados, ao desembarcar do caminhão e olhar para cima fez o sinal da cruz. O Edifício Joelma queimava como se fosse feito de papel."

A trama de Rodrigo nos leva para o princípio do incêndio e acompanhamos uma perseguição que transmite tensão, desespero e provoca sentimentos revoltantes com relação a ação de um personagem ligado à práticas criminosas.

"Os Treze", escrito por Marcus Barcelos, já nos demonstra no título a inspiração da obra. Trata-se de uma revisitação sobre o caso das treze almas que morreram no incêndio e que tiveram seus corpos encontrados no elevador do prédio. Sem identificação os treze corpos foram enterrados lado a lado e a inscrição da lápide diz "As Treze Almas". Visitantes e zeladores do cemitério diziam que ouviam lamúrias vindas dos túmulos e jogavam água, vez que eles haviam morrido queimado. Depois dessa ação, dizem que os sussurros cessavam. Até hoje atribuem graças a essas pessoas mortas, deixando um copo de água sobre o túmulo que fica no Cemitério São Pedro (conhecido como Cemitério da Vila Alpina).

Amilton é o protagonista da história de Marcus. Um homem que não faz nada de graça e que está acostumado a lutar pela sobrevivência desde pequeno. Depois de algumas negociações acaba conseguindo um emprego no cemitério e Amilton acaba sendo o responsável pelo enterro dos treze corpos. A sobrenaturalidade está presente na história, provocando arrepios no leitor e em Amilton.

"Caminhar pelo cemitério deserto motivado pela mira de uma carabina me ensinou que, às vezes, os mortos não continuavam mortos. E o pior: eles nunca tem nada a perder."

A quarta história é a de Victor Bonini: "O Homem na Escada". Uma trama que nos revela uma personagem intrigante que ouve vozes. Por ser idosa e ter um ar gentil, pelo que os outros conseguem ver dela, se demonstra uma mulher simpática. Ela, no entanto, foi capaz de cometer um crime. Solange, contudo, não se lembra do que fez com tamanha exatidão ou saberia e está dissimulando para si mesma? Uma figura, o homem da escada, sempre aparece para ajudá-la a acobertar vestígios do crime brutal. Nem tudo, no entanto, vai ser tão fácil assim. Sua ajuda pode ter consequências.

O estilo com que Bonini fez a narração do conto dá agilidade e ainda consegue manter um clima de tensão e de medo no ar. A personagem destaca-se ao longo do conto e o estilo narrativo provoca o leitor no caminho entre a lucidez e a loucura, entre a realidade e o sobrenatural.

"Ele é homem, forte, influente. Você já foi rebaixada ao status de velha louca do prédio. Você não tem moral, mas ele..."

As quatro histórias presentes no livro publicado pela Faro são excelentes. As tramas são bem montadas e os personagens acabam mexendo com o nosso imaginário, tal qual todo o mistério que ronda as histórias que o povo conta sobre o Edifício Joelma. A apresentação de Tiago Toy, ao longo do livro, conseguiu imprimir um clima sombrio e manter o leitor em total conexão com as histórias arrepiantes. Enigmático, sarcástico, aterrorizante, a condução de Tiago agregou aos contos que nos conduzem pelo mundo do Joelma.

O trabalho gráfico da editora mostra-me mais uma vez a serviço do texto. Páginas pretas (em que estão as apresentações escritas por Toy) parecem sempre nos conduzir por um corredor sombrio que nos levará a próxima história. As ilustrações fortalecem essa impressão. As cores utilizadas na capa, a imagem do prédio, o fogo (com um efeito que brilha) e um corpo caindo remete ao caso real que inspirou as narrativas.

Vozes do Joelma é um livro que une a excelência dos escritores com a excelência da editora e entrega ao leitor um livro intrigante, surpreendente, arrepiante, com boas histórias. Interessante observar que elas acabam se conectando a períodos distintos da edificação que serve como cenário, o que também torna ainda mais interessante a viagem pelo terror, pois não fica repetitiva a sucessão de fatos que são apresentados.

As histórias tem início, meio e fim, portanto podem ser lidas separadamente ou em qualquer ordem. No entanto, ficam ainda mais ricas quando lidas de maneira sequencial, justamente por abarcarem períodos diferentes do local assombrado, e assim dão unicidade ao livro.

Quando temos um livro que é feito com inspiração numa história real o escritor pode cair na armadilha de reproduzir a história sem acrescentar bons elementos ou de descambar para algo que faça, inclusive, perder a essência da história real que o inspirou. No caso do livro em questão isso não acontece. Complexo deve ter sido o trabalho do editor em unir dez mãos com estilos diferentes e mantê-los coesos na proposta da obra. E isso foi alcançado. Os autores mantém elementos da tragédia que inspirou o livro e acrescentam visões de personagens singulares, unem os aspectos ficcionais com o que de fato aconteceu e finalizam com uma versão ficcional que prende a atenção do leitor. Outro ponto que merece destaque é que o terror que permeia as histórias está condizente com os fatos.

O que posso dizer para finalizar? Prepare-se para adentar o universo do terror nacional com autores que imprimem sua marca e sabem contar histórias.


Ficha Técnica:

Título: Vozes do Joelma - Os gritos que não foram ouvidos
Escritores: Marcos DeBrito, Marcus Barcelos, Rodrigo de Oliveira, Victor Bonini e Tiago Toy
Editora: Faro Editorial
Edição: 1ª
Ano: 2019
Número de Páginas: 286
ISBN: 978-85-9581-088-4
Assunto: Ficção brasileira

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