Caveiras - Vitor Abdala - Tomo Literário

Caveiras, livro do escritor Vitor Abdala, foi publicado pela Editora Generale em 2018 (1ª edição; 190 páginas) e foi finalista do Prêmio Aberst de Literatura na categoria Melhor Romance de Terror. Observe as manchetes abaixo antes de falarmos mais detidamente sobre a trama apresentada no livro:

Mortes pela polícia do RJ crescem 127% em 4 anos: como frear a escalada? (Exame)

Em 2019, apenas uma morte de criança no Rio foi elucidada pela polícia. (Uol)

Morre criança baleada durante ação da Polícia Militar do Rio de Janeiro. (O Estado de São Paulo)

A partir daqui podemos dizer que o livro de Vitor Abdala vai te colocar em conexão com acontecimentos que poderiam perfeitamente figurar nas manchetes de grandes jornais ou portais de notícia. Além disso, de maneira magistral, o autor acrescenta na história elementos sobrenaturais que provocam o leitor com o terror (sem deixar de tratar de maneira contundente o terror real). 

As matérias de jornais citadas são porque o protagonista e narrador do livro é jornalista e se vê envolto num caso misterioso que chama a atenção pelo modo como um menino foi assassinado durante uma operação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Estado (Bope), cujos soldados também são conhecidos como Caveiras (daí decorre o título da obra). Cinco homens fardados de preto invadem uma casa e executam, com um tiro na cabeça, um garoto de 12 anos de idade. Sua mãe levou uma coronhada de fuzil. 

Essa base da história que vai se desenrolar ao longo do livro, poderia ser manchete de qualquer veículo de comunicação que trate de temas policiais. Você, caro leitor, certamente deve lembrar-se de alguma morte anunciada que tenha envolvido alguma criança durante operações policiais.

No livro, no entanto, há algo mais por trás de tudo que acontece com os policiais que praticaram a execução. E os fatos que ficam escondidos são lançados à luz ao longo da trama.

"O Serginho morreu. Outras crianças morreram (...) Várias mortes em suposto confronto com o Bope tinham ocorrido. Várias outras registradas como balas perdidas provavelmente foram provocadas pelo batalhão (...) aquilo precisava ter um fim."

Ivo, o jornalista que recebe um pedido de ajuda da mãe do menino morto e que presenciou o assassinato do filho, investiga o caso de execução do garoto para publicar uma matéria tratando do assunto. Acompanhamos a sua narração contando os bastidores da busca pela elucidação do caso, o que o colocará em perigo, afinal ele adentra meandros da polícia carioca que estão ligados à questões que vão além do que o leitor pode pressupor inicialmente.

Caveiras também aborda numa de suas camadas questões sociais que estão ligadas ao preconceito por classe, arraigada em conceitos desvirtuados e que são repetidos; como se pode constatar na passagem transcrita: "A morte de um menino da favela?! Era apenas uma criança pobre, provavelmente envolvida com o tráfico e morta pelos próprios bandidos." Esse pensamento do narrador é apresentado quando ele vê um caso que chama mais atenção da mídia do que o fato que ele está pesquisando. Uma constatação de como, muitas e muitas vezes, os moradores das regiões mais pobres das cidades são vistos e tratados pela sociedade.

O caso do menino morto numa comunidade por policiais também poderia ganhar enorme repercussão se o jornal O Carioca o investigasse. O personagem que narra a história nos apresenta a sua busca por informações apresentando relatos, testemunhas do evento, fontes que possam esclarecer o mistério que se estabelece em relação à morte de Serginho, bem como tudo que está ligado aos homens que o mataram. 

"...Pareciam ser outras pessoas (...) com olhares e feições tensos que transpareciam 
uma vontade  de matar."


Caveiras é um livro que mescla suspense policial e terror, que traz elementos sobrenaturais que permeiam a história e que não deixa de lado o terror real. A narrativa do personagem nos conduz pela violência no Rio de Janeiro e os segredos que envolvem a Tropa de Elite. Daí decorre o fato de que Ivo, o jornalista que protagoniza a trama, sentir-ser em risco. Sentir talvez não seja a palavra mais adequada, posto que de fato ele coloca em risco sua própria vida. Ivo mergulha no lado mais sombrio e obscuro da polícia.

Vitor Abdala tem um estilo de escrita que carrega a concisão de apresentar os fatos ao leitor. Excetuando-se os elementos sobrenaturais que despertam no leitor o toque ficcional da história que nos conta, tudo mais é muito real. Tão real que parece que estamos lendo um jornalista contando os bastidores de sua reportagem num desses casos que vemos noticiados sobre os abusos cometidos por policiais em favelas e bairros pobres, não só no Rio de Janeiro, mas nas áreas periféricas do Brasil inteiro. Nesse sentido, a escolha da primeira pessoa como voz da narrativa, reverberada pelo protagonista da trama, torna a aproximação do leitor ainda mais viva.

"O menino não apresentava qualquer risco (...) Ele foi executado por pura maldade."

A narrativa coesa e clara dá fluidez à leitura, bem como os personagens críveis e verossimilhantes enriquecem a história. Todos os fatos apresentados na trama se fecham e o desfecho da obra é surpreendente.

Numa das camadas da trama podemos observar a questão religiosa em confronto com práticas adotadas pela tropa. Interessante observar a contradição humana e a hipocrisia. Como dito anteriormente, por ter personagens críveis, eles se demonstram menos heroicos e mais palpáveis ao leitor, daí o fato de que a constituição de suas personalidades acabam sendo expressas pelos diálogos e ações que praticam.

Caveiras é um belo exemplo de como fatos ocorridos cotidianamente podem inspirar excelentes histórias ficcionais. Para além da obra literária que pode servir como entretenimento, Caveiras também nos inspira a refletir sobre a violência na sociedade e faz sua crítica à insegurança que se estabelece ante a violência.


Sobre o autor:

Vitor Abdala é nascido no Rio de Janeiro. Jornalista é também especialista em políticas de justiça criminal e segurança pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Como repórter, desde 2004 faz coberturas sobre ações policias no Rio de Janeiro. É membro da Horror Writers Association (EUA) e membro da ABERST - Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror. É autor do livro Tânatos: contos sobre a morte e o oculto (2016) e Macabra Mente (2016), além de organizador da antologia Narrativas do Medo (2017). Participou de várias antologias nacionais e internacionais.

Ficha Técnica:

Título: Caveiras
Escritor: Vitor Abdala
Editora: Generale
Edição: 1ª
Número de Páginas: 190
ISBN: 978-85-8461-183-6
Ano: 2018
Assunto: Literatura brasileira

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