Natasha - Cortinas
Fechadas, Olhos Bem Abertos, de Gabriela Rocha, foi publicado pela
Editora Autografia (76 páginas).
O universo
circense fascina pelo espetáculo que oferece ao público. No picadeiro, a
brincadeira do lúdico com o risco deixam espectadores de queixo caído. Além
disso, a arte circense por natureza mexe com o imaginário. Temos literatura
vários livros que ambientam sua história no universo circense e a peculiaridade
dos personagens instiga. Gabriela Rocha nos entrega um livro de contos que
fascinam e se complementam, abordando o circo como pano de fundo, mas colocando
a alma humana nos holofotes.
No livro
conhecemos uma trupe. Não é o seu espetáculo, contudo, que salta aos olhos. São
os intrigantes personagens e suas igualmente intrigantes personalidades e seus
sentimentos que tomam o protagonismo, como dito acima.
Natasha, por
exemplo, atua no circo e tem anseios maiores em relação a sua função. Ao mesmo
tempo tem com os animais uma relação de apego à liberdade deles. Como se isso,
metaforicamente, representasse a sua própria liberdade. Ela vive não sendo, ou
sendo apenas para manter-se. É uma protagonista que “brinca” com os outros
personagens e traz ao leitor um certo cinismo do qual nos tornamos cúmplices.
Ela, com seu jeito, desengonçado e incompleta, nos traz empatia.
Temos ainda a
curiosa figura de Boris, o dono do circo. Que ao mesmo tempo que nos parece um
homem austero e rude, provavelmente empregado em função de seu papel
administrativo de toda a trupe, tem em suas ações uma certa conivência com a
fragilidade com que alguns de seus artistas agem. Ele irradia algo de
misterioso, de sério, mas também de solidariedade (se é essa a palavra que
poderia utilizar para definir os olhos que ele fecha para ocorrências que sabe
que existem).
Ainda o leitor
conhecerá as irmãs siamesas, que vivendo com um mesmo corpo, acreditam-se
indivíduos vivendo em corpos separados, em que pese o fato de terem personalidades contrastantes. Nelas também
a liberdade reside no ato que tem de trocar de nome. Estão no mesmo corpo, mas
a troca significa mais do que capricho, significa uma afirmação de sua
individualidade como ser pensante. Não somos nós todos assim? Não somos seres
que nos fundimos com o ambiente e com outras pessoas, mas queremos o tempo todo
reafirmar que somos uno?
Os personagens que
o leitor conhece não são encontrados numa história linear. São contos que se
juntam para contar a história da trupe garantindo a unicidade da obra sem,
necessariamente, percorrer a trajetória completa da vida das criações de
Gabriela Rocha. Nesse sentido, os contos tal qual os shows apresentados no
circo, vão se unindo para garantir o espetáculo final.
A peculiaridade e
a singularidade desses personagens também nos levam a questionar sobre a
"adequação" e o "padrão". A diferença deles, seja física ou
psicológica, certamente os colocaria na categoria de estranhos na sociedade. Na
noite, quando o circo encerra as apresentações e eles tem que arrumar tudo para
o dia seguinte, expõe seu eu; não como artistas de um espetáculo, mas como
humanos que são. Demasiadamente humanos.
Sonja, uma vidente
capaz de tirar os próprios olhos, o palhaço Alaô que faz um espetáculo não
programado que arranca aplausos e o ventríloquo que é comandado pelo próprio
boneco, são outras figuras inusitadas que estão na trupe de Boris. Criações
pitorescas que de forma metafórica, por meio de suas histórias, nos levam a
questionar suas ações e refletir com elas.
As figuras são
incompletas, no sentido de que não tem todo o seu contorno traçado. Trata-se de
um meio usado pela autora para deixar no leitor a interpretação do personagem e
de suas ações. Os personagens navegam pelos contos com uma forma singular e deixando
sua marca.
O livro tem uma
narrativa que apesar de não ser labiríntica, não segue uma linearidade, e isso
faz total sentido com a proposta de abertura desses personagens que transitam
nas histórias. Isso me remete automaticamente às ilustrações que estão no
livro, que são reproduções de obras do artista Antônio Mendes. Quando
temos contato com uma obra artística abstrata nós é acabamos interpretando
desse ou daquele modo o que está contido nela. Sabemos que o artista a pinta
com um propósito, com uma provocação que ele bem conhece, mas nós, que apenas a
apreciamos vamos colocar nelas as nossas visões.
Em Natasha, nas
histórias que lemos, também há essa possibilidade: a de que cada leitor veja
tais personagens de modo único, de um jeito que talvez não seja como eles
tenham sido criados pela autora. E isso fascina.
Natasha é
enigmática, tem uma certa ingenuidade que se mescla com a peraltice e com um
jeito ardiloso de agir. Interessante sua personalidade que nos rende bons
momentos ao longo do livro.
Leia Natasha de
mente aberta e receptivo a arriscar-se no desafio de conhecer essas criações,
como mencionado no prefácio da obra. É preciso estar com os olhos abertos para
além do que há por traz da cortina que nos é apresentada.
Sobre a autora:
Gabriela Rocha
nasceu em Recife. Formou-se em Publicidade, pela Universidade Federal de
Pernambuco, atuando no mercado como redatora. Mestra em Gestão Empresarial,
atualmente é docente na Universidade Católica de Pernambuco e consultora em
comunicação para clientes públicos e privados. Em 2017, iniciou, por acaso, a
escrita de narrativas baseadas em sua busca pelo autoconhecimento. A observação
espontânea e alegórica do comportamento humano fez surgir seu primeiro livro de
contos.
Sobre o ilustrador:
Antonio Mendes
nasceu em Recife. Artista Plástico e psicólogo, iniciou-se na pintura em 1988.
Dos desenhos nos cadernos escolares e curso no Museu de Arte Contemporânea de
Pernambuco, sua produção artística passou por várias fases. Ligado ao mundo das
artes por meio da prática do desenho e da pintura em tela, sua obra,
eventualmente, une-se à psicologia como
facilitador de grupos de autoconhecimento.
Ficha
Técnica
Título: Natasha – Cortinas Fechadas,
Olhos Bem Abertos
Escritor: Gabriela Rocha
Editora: Autografia
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-518-0778-1
Número
de Páginas:
76
Ano: 2018
Assunto: Conto brasileiro
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