“Seu
Vintém de Cobre é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as
oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho
lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e
que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não se pertence. É
patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia (...)”
Carlos
Drummond de Andrade – Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1983
Vintém de Cobre – Meias Confissões de Aninha,
de Cora Coralina, foi publicado pela Global Editora em 2013 (10ª edição).
A Ana do subtítulo é a própria autora, cujo
nome de batismo é Ana Lins dos Guimarães Peixoto. Na obra ela nos conta casos que
se passaram na cidade de Goiás – uma cidade que nasceu no ciclo do ouro e teve
seu auge no século XVIII. Ali já acontecia a tradição de contar casos. Tradição que ganhava ainda mais força com as
lendas que permeavam as construções do local. Os mais velhos contavam casos
para as crianças e isso, decerto, ajudou na formação dos pequenos que
aprenderam a contar histórias. Cora Coralina traz em sua obra muito dessa
oralidade que era transmitida nessas contações. Vale também dizer que a obra da
autora traz em seu cerne a questão da tradição passada, fixando-a no presente e
deixando-a registrada para o futuro.
Em Vintém de Cobre, Cora Coralina nos leva a
conhecer personagens que fizeram parte de sua vida e reconstrói (ou melhor,
reconta) a história de sua cidade, de sua infância, de seus sentimentos, das
vivências na Fazenda Paraíso e traz ao leitor uma gama enorme de hábitos
interioranos e da vida de gente simples, mas com grandes ensinamentos.
Estão expressos também em seus poemas a visão
sobre determinados hábitos, como a forma com que os adultos tratavam as
crianças, a forma com que os viajantes eram recebidos, os traumas de uma
infância cheia de percalços. Aninha, a pequena menina, não era tida como
inteligente por sua professora, inclusive chegando a ter sua capacidade de
escrever questionada. Então, o livro passa por momentos felizes, mas também
demonstra aqueles momentos tristes e emocionantes que ficaram marcados na
infância de Cora Coralina e como ela conseguiu superá-los.
“...
saborosa me pareceu sempre a linguagem dos simples.”
Em seus poemas há muito de uma simplicidade
que nos toca, que mexe com memórias e imaginários. Clarice Lispector dizia: “Que ninguém se engane, só se consegue a
simplicidade através de muito trabalho”. E, Cora Coralina, é assim. Suas palavras traçadas uma a uma nos
levam para um caminhar na literatura que parece simples, mas é muito bem
contado, costurado, engendrado. E a força de sua poesia está, creio eu, na
simplicidade que consegue alcançar o leitor de um jeito único.
“Detesto
os que escrevem mal e publicam livros.
A maior
dificuldade para mim sempre foi escrever bem.
A minha
maior angústia foi superar a minha ignorância.
Confesso
com humildade essas verdades simples e grandes.”
O livro percorre “da infância longínqua à ancianidade presente”, como diz um verso
de O Cântico de Aninha. Divide-se em três partes: Livro I – Meias-Confissões de
Aninha; Livro II – Ainda Aninha...; Livro III – Nos Reinos de Goiás e Outros.
Cora Coralina, ao mesmo tempo que nos conta
algumas passagens de sua vida, expressa observações tenazes que deixam um sabor
de reflexão. Ela mesma o faz em seus poemas. As palavras ganham ritmo pelas
frases que soam cantadas, com aquela oralidade de quem conta casos sem, no
entanto, ser um conjugado de rimas.
Alguns vocábulos que usa estão em desuso,
foram próprios de um tempo e de uma região, mas foram por ela herdados da avó.
Reflete-se, pois a tradição de um passado que toma nota de nostalgia nas
lembranças de quem escreve e ressoa, para quem lê, como uma viagem para o
passado.
Cora fala do nascer antes do tempo, de gente
antiga (“sábia, sagaz e dominante”),
do seu melhor livro de leitura, do peão e seus deveres, da Fazenda Paraíso, da escrita, das práticas do povo da roça, das
pessoas da família, dos sonhos de infância, dos medos, das normas de educação,
de presidiários, de carreiros, de lavadeiras,
de moços e de homens, da vida.
Muitas pessoas devem ter tido algum encontro
casual com Cora Coralina, em frases que são espalhadas pelas redes sociais.
Mas, adentrar o universo literário da autora, dá outra sensação. Uma sensação
de estar imerso em boas e bem traçadas palavras. A simplicidade a que me referi
antes dá um toque especial, pois é um livro que pode ser lido e compreendido por
qualquer pessoa. Seus poemas tornam-se aqueles que gostamos de ler e reler. Com
Vintém de Cobre essa foi a minha experiência.
Mesmo depois de concluir a leitura, voltei
algumas vezes para reler alguns poemas. E cada mergulho novo na leitura
conseguimos detectar mais do que está ali implícito, da mensagem que ela
transmite, da singela forma com que constrói seus versos e toca o leitor.
“...
nós temos medo de ser originais. Sermos os primeiros.
Preferimos
a estrada palmilhada, a retaguarda cômoda.
Temos
medo de conquistas novas no campo do idealismo.
Vamos
chanfrando, rotineiros.”
Ler Cora Coralina é uma experiência rica, uma
lição de vida. É também um querer mais e dá vontade de mergulhar fundo em toda
sua obra.
Sobre a
autora:
Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins dos
Guimarães Peixoto (1889-1985). Nasceu na cidade de Goiás, antiga Villa Boa de
Goyaz. Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador
nomeado por D. Pedro II, e de Jacinta Luísa do Couto Brandão. Foi criada
às margens do rio Vermelho, em casa comprada por sua família no século XIX,
quando seu avô ainda era uma criança. Estima-se que essa casa foi construída em
meados do século XVIII, sendo uma das primeiras construções da antiga Vila Boa
de Goiás. Aos 15 anos de idade, Ana vira Cora, derivativo de coração. Coralina
veio depois, como uma soma de sonoridade e tradução literária.
Poeta e contista brasileira de prestígio,
tornou-se um dos marcos da literatura brasileira. Cora Coralina iniciou sua
carreira literária aos 14 anos com o conto “Tragédia na Roça” publicado no
“Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás”.
Casou-se com o advogado Cantídio Tolentino de
Figueiredo Brêtas e teve seis filhos. O casamento a afastou de Goiás por 45
anos. Ao voltar às suas origens, viúva, Cora Coralina iniciou uma nova
atividade, a de doceira (conheça a obra Doceira e Poeta). Além de fazer seus doces, nas horas vagas ou entre panelas e
fogão, Aninha, como também era chamada, escreveu a maioria de seus versos.
Publicou o seu primeiro livro aos 76 anos de
idade e despontou na literatura brasileira como uma de suas maiores expressões
na poesia moderna. Em 1982 – mesmo tendo estudado somente até o equivalente ao
2º ano do Ensino Fundamental – Cora Coralina recebeu o título de doutora
Honoris Causa pela Universidade Federal de Goiás e o Prêmio Intelectual do Ano,
sendo, então, a primeira mulher a receber o troféu Juca Pato. No ano seguinte foi
reconhecida como Símbolo Brasileiro do Ano Internacional da Mulher Trabalhadora
pela FAO. Morreu em Goiânia, aos 95 anos, em 1985.
Após a morte da poetisa, amigos e parentes se
reuniram e criaram a Associação Casa de Cora Coralina em 27 de setembro de 1985,
mantenedora do Museu Casa de Cora Coralina. Entidade de direito privado, sem fins lucrativos,
regido por um Estatuto, que tem como finalidade: “ projetar, executar,
colaborar e incentivar atividades culturais, artísticas, educacionais,
ambientais, visando, sobretudo, a valorização da identidade sociocultural do
povo goiano, bem como preservar a memória e divulgar a vida e a obra de Cora
Coralina.
Ficha
Técnica
Título: Vintém de Cobre –
Meias Confissões de Aninha
Escritor: Cora Coralina
Editora: Global Editora
Edição: 10ª
ISBN: 978-85-260-1888-4
Número de Páginas: 240
Ano: 2013
Assunto: Poesia Brasileira
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