Revirando alguns livros para montar uma lista
de leitura, me vi diante de oito livros que tinham algo em comum: personagens
escritores. E, claro, que os listei para
apresentar aqui no blog para vocês. São livros em que os personagens estão em
busca de reconhecimento no meio literário, vivem as angústias e aflições de um
escritor, revivem histórias que eles criam, buscam inspiração, rememoram suas
aventuras na criação de suas obras e declaram sua paixão pela literatura.
Na lista tem dois livros estrangeiros e seis livros
nacionais.
Boa leitura!
Factótum
Autor:
Charles Bukowski
Editora:
L&PM
Número
de páginas: 176
Factótum é o segundo romance do escritor
alemão e foi originalmente publicado em 1975. Na obra temos o personagem Henry
Chinaski, que é considerado alter ego de Bukowski. Tal personagem protagoniza
vários de seus livros. Aqui ele vive sem perspectiva, arrumando bicos e fazendo
um pouco de tudo, desde que não atrapalhe aquilo que é seu grande sonho:
escrever. Henry é um anti-herói, considerado por muitos como um perdedor.
Na sua caminhada pelo mundo marginal, em meio
as tentativas de ser publicado, o escritor Henriy Chinaski come o pão que o
diabo amassou. O livro tem interessantes passagens que abordam os aspectos de
um escritor em formação.
“A alma de um homem está profundamente
enraizada em seu estômago. Um homem pode escrever muito melhor após comer um
belo pedaço de filé acompanhado de uma dose de uísque do que depois de uma
barra de caramelo de um níquel. O mito do artista faminto é um embuste. Uma vez
que você percebe que tudo é um embuste, você fica esperto e passa a sangrar e
queimar seus semelhantes.”
Navegue
a Lágrima
Autora:
Letícia Wierzchowski
Editora:
Intrínseca
Número
de páginas: 205
Vivendo luto uma editora resolve se afastar
da cidade e vai morar numa casa de praia, num idílico balneário do Uruguai.
Esta casa em que a personagem passa a viver, pertenceu a Laura Berman, uma
consagrada escritora. A nova moradora vive entre o real e o imaginário, cercada
pelas lembranças daquela casa e pelo romance que Laura, a escritora, viveu ao
lado de seu marido.
A editora se aprofunda na história e no
universo da escritora, o que revela pequenas traições e o desgaste provocado
pelo tempo, mesmo nas relações que aparentam ser mais sólidas. É isso, o
contato com a história da escritora que, aos poucos, faz a editora enfrentar
seus próprios fantasmas.
“Não quero ser indelicada com a pobre Laura,
que Deus a tenha. Quero fazer-lhe uma pequena reverência, nada hiperbólico,
apenas um esboço, um bordado (ela gostaria tanto dessa palavra!) de um tempo de
sua vida que já desapareceu e, com ele, o seu talento. Parece que depois que se
divorciou não escreveu mais nada de muito relevante e o seu nome, como tantos
outros, foi caindo na obscuridade; e os seus livros, que outrora ocupavam as
mais destacadas prateleiras das livrarias, passaram a perder espaço para novas
criaturas reluzentes neste mundo voraz e dinâmico.”
Os
Leopardos de Kafka
Autor:
Moacyr Scliar
Editora:
Companhia das Letras
Número
de páginas: 122
Nesse livro de Moacyr Scliar, um dos
personagens é escritor, e um escritor real, Franz Kafka. Em 1916, o jovem
Benjamin sai de sua aldeia judaica na Rússia e vai a Praga para cumprir uma
missão que teria sido mandada por Trotski. Porém, Benjamin é um pouco
atrapalhado e uma confusão faz com que ele receba do escritor o texto
‘Leopardos no Templo’. O personagem entende que o texto é uma mensagem cifrada.
A partir daí cria-se uma situação
verdadeiramente kafkaniana que acaba culminando até em desdobramentos que
ocorrem no Brasil, durante o golpe militar.
“Era complicado, aquele Kafka. Se pudesse
(...) pegaria o telefone e se queixaria: “Não entendo o que você escreve,
camarada Kafka. Sinto muito, mas não entendo. Talvez o seu texto represente um
novo estágio na literatura, um estágio que escapa ao alcance da maioria das
pessoas. Mas permita-me perguntar, camarada: o que escapa ao alcance das
pessoas – é revolucionário?”
Verme!
Autor:
Jim Carbonera
Editora:
Boêmia Urbana
Número
de páginas: 192
Rino Caldarola é o protagonista do livro e se
considera um verme. Ele não acredita que vá realizar seu grande sonho: ser
reconhecido no meio literário. Apesar da descrença, ele vai em busca de seu
sonho e se inspira em shows underground de rock and roll, viagens pelo interior
do Rio Grande do Sul e seu relacionamento com Diana (uma relação casual) que
faz com que ele confunda seus sentimentos e princípios.
O livro é narrado em primeira pessoa pelo
personagem que vai nos contando suas aventuras e desventuras. Ele se vê num
momento de escassez de inspiração e torna-se o reflexo de desilusões que
atormentam a sociedade contraditória e conturbada. Rino é um personagem
irônico, de certo modo até arrogante e bastante provocador, sobretudo porque
ele luta para demonstrar a sua maneira de ver e pensar o mundo.
“Há dois anos estou tentando lançar um
romance e a única coisa que consegui até agora foi me contentar com um livro
insignificante de contos. É considerado b-side book pelo seu conteúdo
pornográfico e violento. A ambientação segue o padrão underground e é uma obra
nada comercial. O pequeno número de cento e cinquenta exemplares foi vendido
entre amigos, conhecidos e alguns “gatos pingados” que compraram por meio de
livrarias e do meu site pessoal.
Devido à finalização do contrato com a
editora, aperfeiçoei o livro. Melhorei-o consideravelmente e tenho esperança de
um dia reeditá-lo para obter reconhecimento. Mas por enquanto é um desejo
bastante distante.”
Escrita
Maldita
Autor:
Ben Oliveira
Editora:
Independente
Número
de páginas: 208
Depois de se tornar um best-seller com o seu
livro de terror de estreia, Daniel Luckman se aproxima da realização de um
grande sonho: escrever um livro com outro escritor, Laurence Loud, Este é um
dos melhores escritores de horror dos últimos tempos.
Quando Laurence passa a ficar na casa de
Daniel para escreverem o livro, coisas estranhas começam a acontecer. Cria-se
então uma linha tênue entre a ficção e a realidade, a loucura e a sanidade, os
pesadelos e alucinações. A história que criam juntos reverbera na vida deles, tudo
cercado de mistérios e ligações com o passado sombrio.
“Aplausos se espalharam pelo salão. Ele
jamais imaginaria que o seu livro faria tanto sucesso e que receberia a benção
de seu escritor favorito ainda vivo – os outros foram devorados pelos vermes,
como traças que se alimentaram de seus papéis rabiscados. Uma nuvem de
borboletas selvagens provocava uma tempestade no seu estômago, uma sensação
maravilhosa e angustiante ao mesmo tempo. Eu não mereço tudo isso. Sou uma
fraude. Parecia coisa de outro mundo ter se tornado um autor best-seller em
menos de um ano. Lembrou-se da morte de Edgar Allan Poe sem o devido
reconhecimento. Perto dele, ele não era ninguém.”
Guia de
Uma Ciclista em Kashgar
Autora:
Suzanne Joinson
Editora:
Intrínseca
Número
de páginas: 270
Evangeline English, em 1923, chega com sua
irmã numa cidade asiática, na Rota da Seda, com o propósito de ajudar
estabelecer uma missão cristã. Eva, como ela é chamada, começa a escrever seu
livro, um guia para ciclistas que desejam se aventurar naquela região.
O livro entremeia a história da personagem
que escreve seu guia e outra, que se passa nos tempos atuais, numa alternância
entre passado e futuro. As histórias se cruzam e as anotações de Eva se tornam seu livro.
“Essas anotações grosseiras e rabiscadas
foram tudo o que consegui até agora para entregar (...), mas tenho planos
grandiosos e resplandecentes para o meu livro. Será um novo tipo de livro. Guia
de uma ciclista em Kashgar é o título atual sob o qual estou trabalhando, e o
subtítulo será ‘Como roubei em meio às missionárias’. Serão minhas observações,
cheias de informações sobre os muçulmanos. Pretendo espionar mulheres,
fascinantes com seus trajes esvoaçantes; e descrever a paisagem, essas
planícies vastas e monótonas; sobre minhas duas rodas, sentirei a areia do
deserto e passarei pelas ruas como se voasse.”
Outrora:
Crônica de Uns Dias Perdidos
Autor:
Jayme Mathias Netto
Editora:
Multifoco
Número
de páginas: 136
No
livro há um pacto ritualístico entre Marcel Leônidas Padilha e Assis de
Sá Carneiro. Marcel percebe que não consegue mais sequer pronunciar uma palavra,
se não por meio da escrita. É por meio da escrita que o personagem encontra seu
conforto e consegue meditar, todos os dias, sobre os acontecimentos de sua
vida.
Para ele, não escrever é a morte em vida. O
livro trata de uma forma bastante contundente as visões de dois personagens
sobre as relações humanas e sobre a própria linguagem, apresentando ao leitor
um misto de prosa, poesia e aforismos.
“Algo o sufocava ao falar. Algo o prendia em
palavras ditas. Então pensou consigo mesmo que era melhor dedicar-se à escrita,
para se autocompreender: “Eis aí a filosofia e a arte juntamente em mim”, assim
pensou e saiu de casa como se tivesse feito uma nova descoberta. Como se isso
fosse sua grande “eureka”. Qualquer um que experimente este sentimento de
eureka certamente vive consigo muito melhor.”
O Frio
Aqui Fora
Autor:
Flávio Cafiero
Editora:
Cosac Naify
Número
de páginas: 251
Um homem perde a promoção de cargo na empresa
em que trabalha há treze anos. Ao mesmo tempo, é abandonado pela namorada. Tudo
se desestabiliza e o mundo, agora, está diferente, diante de relações que são
instáveis e certezas que não são mais tão certas quanto era pensado. Num
cenário em que tudo está em mudança, ele resolve trazer a tona um projeto
engavetado na adolescência: se tornar escritor.
Luna é o nome do protagonista que tinha o
sonho da escrita. A perda da promoção é veneno e remédio para seu
estranhamento. É fora do mundo corporativo, longe da proteção das cancelas, das
roupas elegantes e do ambiente de escritório que faz frio e onde é preciso enfrentar
as questões que afligem e a retomada do sonho.
“O livro de Luna já tem título, é inevitável
que tenha um depois de tantos anos. Vem reformulando o título desde os dezoito
anos, quando se permitia sonhar com uma carreira artística. Com artigo definido
ou sem? E se usar o pretérito em vez do presente? Se pusesse o título no fim, e
não no começo? O livro de Luna pode ter uma capa, e até um fim, inspirando em
um desses filmes franceses que adora assistir. Tudo bem, meio óbvio. Começo e
fim, muito bem. Mas, Luna, veja bem: você precisa escrever o meio.”
Adorei a lista, apesar de só ter lido Bukowski entre eles.
ResponderExcluirSão bons livros.Cada um dentro de sua temática e com diferentes pontos sobre o ser escritor.
ExcluirOlá
ResponderExcluirEu amo encontrar personagens escritores. Anotei todas as dicas, menos Verme!, que já li e amo. Indico Go, do Nick Farewell e confesse-me, do Hugo Ribas.
Vidas em Preto e Branco
Olá! Obrigado pelas indicações. É sempre bom compartilhar literatura. Abraços.
ExcluirBom demais ver Escrita Maldita nesta lista. Gratidão!
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